31 outubro 2013

Você e(m) um bar

Você entrou naquele bar querendo correr de volta pra rua. Seu olhar meio indeciso em se esconder ou me procurar denunciava toda sua insatisfação em ter que me acompanhar em alguns drinks. Eu te esperei a noite inteira, e não perderia o momento exato de te ver pisar no assoalho já meio riscado do mesmo bar que a gente se conheceu. Você quis pegar o táxi de volta pra qualquer lugar do mundo quando nossa música tocou. Enquanto pra mim o melhor lugar do mundo estava entrando por aquela porta. Eu te procurei em alguns copos vazios e não te encontrei pra te tirar pra dançar. Você não estava ali. Estava em algum ambiente que não tivesse mesas e cadeiras acompanhadas de um balde de cerveja gelada e uma mulher te esperando pra ser feliz.

Você chegou, eu te chamei. Não deu tempo você pensar em dar meia volta e se arrepender no instante em que os sinos da porta tocaram. Fui até você. Convidei-te pra sentar. “Eu não posso demorar”. Foram as palavras mentirosas de alguém que quer, nesse exato momento, receber alguma ligação de emergência. “Você nunca demora.” Foi a minha resposta para as palavras saltitantes e gritantes de um homem que não consegue amar alguém que o ame também. Enquanto você me olhava com olhos de indiferença, eu quis te odiar para o resto da vida, da mesma forma que te odiei quando você bateu a porta da minha casa dizendo que nunca mais queria me ver. E voltou correndo enquanto eu te esperava sentada na mesa da cozinha, pronta para tomar de uma só vez a garrafa de vinho seco. Eu quis te odiar durante cada segundo do meu dia, quando você pediu, com cara de não-quero-estar-aqui, pra eu apressar a minha fala. Talvez seus tímpanos estourariam, sufocados por palavras sinceras. Você nunca as deve ter ouvido.

Não te falo nada. Nego qualquer esboço de tristeza. Sorrio e aproveito a sensação incontestável e indescritivelmente prazerosa de te ter ao meu lado. Eu passaria a vida inteira ao seu lado, ouvindo seu silêncio. Não ameaço sequer perguntar se está bem. Ofereço um gole, apenas erguendo um pouco a mão. Você vira a cabeça algumas vezes esperando encontrar algum conhecido que te livre desse martírio de me ter ao lado. Passam-se minutos, drinks de todas as cores, mais uma garrafa de água com gás, umas poucas palavras corriqueiras e uns três sorrisos falsos.

E então você se levanta e repete: “Não posso demorar.” Dá um último gole na sua água com gás, beija-me a cabeça e a mão, de modo que você demora um pouco pra soltá-la. Até que a distância já não te permite segurá-la. Tchau (com uma entonação de alívio). Tchau (com a voz quase desfalecendo). Antes de chegar à porta você para, me olha com olhos-de-adeus e fala baixinho, esperando que eu faça uma leitura labial, mesmo sabendo que nunca fui boa nisso: s-e c-u-i-d-a. E eu quis gritar: “Me cuida, meu bem. Leva-me contigo, seja pra tua casa, seja pra um outro bar. Convida-me pra dançar. Pra sentar ao teu lado. Pra dormir na tua casa. No teu sofá. Na tua cama. Liga-me no meio do dia, diz que está com saudades e que precisa me ver. Corre até o meu trabalho, me pede pra largar tudo, porque está com desejo do meu abraço, do meu perfume. Esquece essa de que amar é muito responsável, e entra comigo nessa irresponsabilidade mesmo. A gente se desorganiza devagar e vai dando certo. Volta e senta aqui nessa cadeira. Pede mais uma água. Ou um drink cubano. Mas não me vira as costas. Não bate a porta. Não pede o táxi. Pede a minha companhia. Levo-te pra casa. De ônibus espacial, de avião, carroça, balão, voando, nadando, como quiser. Levo-te embora pra qualquer lugar que esteja perto do meu coração. Mas não pede pra eu me cuidar. Não me liga um mês depois pra saber como eu estou. Não aparece de surpresa no meu portão dizendo que passou na rua e lembrou de mim. Não vai, meu bem. Se você der o próximo passo, eu dou o primeiro gole. E a gente se entende pro resto da vida. Você no Alasca, eu na Austrália. Você dormindo, eu acordando. E a gente vai se entendendo meio distante, porque entendimento nunca deu certo pro nosso amor. Me cuida, amor, me cuida e se desentende comigo. Assim a gente vai bem.

Mas não gritei. Acenei com um sorriso amarelo, uma lágrima de pedra esperando pra cair, e mais um drink fajuto na mão direita. A porta bateu. Os sinos tocaram novamente. E a garçonete perguntou: “Então, é só você?” E eu respondi: “Sempre”.

Dani Fechine



27 outubro 2013

De tudo ao meu amor serei 'lamento'

Sentarei na beira da cama para calçar meus sapatos. Farei as malas delicadamente, sem pressa, para nada esquecer. Pentearei os cabelos pela última vez nessa penteadeira enferrujada, que recebi promessas de pintura durante os 3 anos. Não ligo para o que ficar. Faça bom proveito dos móveis e desses cômodos com cheiro de saudade. Quero apenas os meus chinelos, a garrafa de vinho que comprei semana passada e a escrivaninha, que depois de sete meses, consegui colocar no seu escritório intocável. Quanto aos livros, são todos meus. Cada página amarela, cada dedicatória. Estou saindo de mente vazia e coração aberto.

Não te esperarei chegar. Você não vai chegar. E eu demoro muito a acreditar. Odeio despedidas. Lamentos. E homens derramando lágrimas, verossímeis ou não. Saio na ponta dos pés para não deixar rastros. A chave está em cima da mesinha da sala, perto do arranjo que ganhamos dos meus pais no Natal passado. Só que sem o arranjo. Estou empacotando-o também. Sem a chave. E sem esse aviso.

Minto, amor. Saio de coração na mão. Peito sangrando. Sem ar. Sem fome. Sem vontade. Sem coragem. Com saudade. Com dor. Com uma vontade incessante de te encontrar, seja onde for. Saio porque seu cheiro ficou. Suas gravatas. Camisas. Sapatos. Até seus óculos ficaram. Esses levarei, talvez sejam-me úteis. Saio porque a xícara de café ainda está na cozinha. Suja. O iogurte foi aberto e ninguém tomou. O bolo foi deixado pela metade. E o almoço, nem comecei. Você não ficou pra almoçar. E não te verei no jantar. Saio de mente cheia, atordoada. Esquece os passos de bailarina. Saio correndo. Batendo a porta. Abrindo a garrafa de vinho dentro do elevador. Ofereço ao moço de bigode que dirige o táxi, mas ele não aceita. Me olha com cara de reprovação. Senti na pele a dor de uma loucura. Estou saindo de corpo e alma. De meia calça preta. Vestido preto. Sapatos pretos. Pintei até os cabelos.

Estou saindo de costas para não te ver em todos os lugares. Se pudesse, vendava-me. Os olhos estão pesados de maquiagem preta, muito rímel, muita tinta, muito carmin. Porque pior do que fazer uma mulher chorar, é deixá-la borrar a maquiagem por isso. Saio com o cheiro das suas roupas ainda nas minhas. Isso eu não consegui deixar. Não consegui deixar também o carinho. O beijo na testa. O abraço apertado. O 'bom dia' mal-humorado. As surpresas ao meio-dia. O jantar à luz de velas. O cartão de Natal. As bodas de papel. Não consegui deixar a marca do beijo. O toque das mãos. O alisar nos cabelos. O filme a dois. O medo protegido. A bagunça organizada. E o coração partido. Levo comigo apenas a certeza de te ter pra sempre.

Saio correndo. Batendo os pés. Fazendo birra. Não quero te ver no corredor ou correndo pra pegar o elevador. Isso não vai acontecer. Mas parece que dobrarei a esquina e te verei chegando com alguns doces comprados na confeitaria do bairro vizinho. Corro pra não dar satisfações ao seu Zé. Pra não te ouvir pedindo pra bater a porta ao sair. Estou saindo, meu bem. Estou saindo porque as fotos já me doem muito. O sofá tem dois lugares e eu sou só uma. As cervejas, sempre aos pares. As almofadas, com seu cheiro. O tapete, com seus chinelos. E o Fred, nosso cachorro-gente, está com uma depressão filha da mãe porque você não o levou pra passear na noite passada. Ele sente sua falta. E eu não consigo cobri-la. Saio pra te encontrar na copa das árvores. Nas estrelas do céu. Na Lua cheia. No balançar da flores. Nas folhas secas ao chão. No bom dia do padeiro. No moço simpático do trem. Saio pra te encontrar, em qualquer lugar que seja, mas que não seja na nossa casa. No nosso mundo. Na nossa vida. Essa lembrança ordinária de te ver em todos os lugares. Deitado na cama. Bagunçando o cabelo. Saindo apressado. E voltando numa pressa ainda maior e inadmissível, porque, afinal, esqueceu as chaves. E esqueceu de mim também. Esqueceu de me guardar numa gaveta. Num guarda-roupa. Ou de levar-me com você. Você esqueceu, meu bem, que amor não se morre. Que o corpo da gente vira cinza, enquanto o coração vira dor. Que a gente chora, enquanto o amor se exalta. Você esqueceu, com toda essa memória infinda, que a gente ainda não teve um casal de dálmatas pra cuidar. Ou bebês. Que seja. Você se foi antes dos 30. Ninguém se vai antes dos 30. Que injusto, que desumano. Estou batendo a porta, amor, mas você vem comigo. Estou saindo. Mas deixo a escova de dente, o travesseiro e o coração.

Dani Fechine

21 outubro 2013

Tão exato como 1+1 = 1

"Olha, moço, eu estou aqui na tua casa mas resolvi ainda não tocar a campainha. O tempo ta fechado, o vento ta frio e eu esqueci o casaco, porque a pressa em te ver já estava grande demais. Eu não sei como cheguei até aqui. Fui andando. E como num livro que eu li posso te dizer que "tenho dirigido em direção a você o tempo todo, querendo apenas um coisa: nosso reencontro". Só que estou a pé. Calço o tênis branco meio sujo, meio gasto que você gosta. Até o momento já ergui a mão duas vezes em uma simples tentativa de bater na tua porta. Já abri a boca umas cinco pra gritar seu some ou até um 'sou eu', mas nenhuma palavra foi dita. Não consigo. Já passaram duas senhoras apressadas pra não pegar a chuva, agarradas em seus cachecóis. O vizinho da frente já acendeu a luz da varanda umas duas vezes, no mínimo, e ficou me olhando pela janela como se eu fosse uma estranha esperando o momento certo para invadir a casa de um homem que é ridiculamente apaixonante e permanece estupidamente sóbrio para entender qualquer coisa que envolva 'amor' e 'nós dois'.

Eu não sei se você está aí dentro. Ouço, lá no fundo, aquela sua música favorita tocar, mas como ela é trilha sonora da sua casa, da sua vida, fico na dúvida se sua presença está ausente ou não. Parece-me ridículo te visitar sem data e hora marcada, numa terça-feira a noite prestes a cair uma tempestade. Pergunte-me como voltarei pra casa e não saberei responder porque isso é o que menos me importa agora. Dizer que eu te amo ainda é o maior desafio do dia de hoje. Desisti realmente de olhar no seu olho. Esse seu olhar de não-quero-entender-nada-disso-porque-é-mais-fácil me faz querer sentar no primeiro degrau da sua varanda e escrever-te o que minha boca deveria falar-te.

Então, Dex. Como vai? Eu poderia começar com 'eu' e terminar com 'amo', mas não quero ir direto ao assunto, então não vou começar por aí. Eu imagino a sua cara de não-quero-ler-isso ao pegar o envelope que passei por debaixo da porta. Vejo seu desinteresse de longe. Daqui de fora. Mas por favor, se já chegou até aqui, continue. Se não rasgou, já é um bom começo.

Você pode ser bem melhor do que já é. Esse seu jeito desconectado de mim não faz bem. Pra mim e pra você. Eu poderia no momento estar em casa ou em alguma festa indie, com alguns amigos ou simplesmente com algum amigo. Mas vim bater na sua porta. E você deve estar se perguntando porque. Eu vim aqui esperando não te ver sorrir. Com esse puxar de olhos e esses dentes brancos que brilham em sua boca, as coisas ficariam bem mais difíceis. Você não me chama nenhum pouco a atenção, Dex. Mas sua voz já me deixa impossibilitada de qualquer reação normal. Não é justo você causar espasmos nas pessoas sem ao menos ter a intenção de amá-las por no mínimo um mês. Afinal, não é justo amá-las por um mês.

Eu faço uma promessa todas as noites e a quebro pela manhã. "Não o procure". E acordo esperando um bip seu no celular. Você me faz quebrar promessas. Caia na real, Dex. Você também tem quebrado a sua maior promessa: ser feliz. E eu não posso reatá-la. Não até você querer. Dia desses, nessas terças-feiras ociosas, você passou por mim numa pressa quase impossível de te ver. Você parecia correr em busca de algo muito bom, embora seu rosto não fosse o mais feliz que eu já avistei. Mas você passou por mim e nem notou meu cheiro, não reparou no vermelho dos meus cabelos nem no tênis branco que eu achei que gostasse. Você não estava com pressa de mim. Nem de felicidade. Porque você dobrou a esquina e me deixou sentada na cafeteria ao lado. Assim como eu, você dirige em busca de alguma coisa que nem você mesmo sabe o que. Estaciona, vai. Estaciona e desce desse carro. Toma um ar, aspira coisas boas. Vai a pé também. Quem sabe a gente não se encontra no meio da estrada. Numa curva qualquer. Num cruzamento. Quem sabe.

Se meu coração palpita. Se minha barriga dá sinal de existência. Se minhas pernas tremem. Se as lágrimas escorrem. Se o sorriso é instantâneo. E se? Eu ainda nem sei a junção dessas loucuras. Essas exatidões não batem. Elas correm, se escondem. Mas não fecham como uma conta de mais. Estou tentando explicar algo que por mais clichê que pareça, não há explicação. Descrição. Adjetivação. Não há sinônimos, pronomes, substantivos nem vírgulas. O que quero te dizer, Dex, é tão exato quanto a sua pressa em passar por mim, quanto a minha lentidão em ficar. Sabe o que mais, Dex?"

E então, num súbito olhar para trás, observo lentamente você abrir a porta, fechá-la com delicadeza, sentar-se ao meu lado e me oferecer não só um casaco mas também uma xícara de chocolate quente, acrescentando com um sorriso completamente insinuoso e querendo concordar com cada linha que eu havia escrito (mesmo sem nada ter lido):
- Não sei quanto tempo passará aqui, sentada, então resolvi te trazer algumas coisas que te façam demorar mais um pouco. - Eu poderia sequer piscar os olhos. Mas em um só lance, fechei meu bloco de anotações, e soltei em uma frase tudo que tentei escrever até agora:
- Esta noite eu estou querendo dizer que eu te amo. O que você acha?
- Que lá dentro está bem mais quente. E que eu esperei até este momento pra dizer: "Eu também amo você."

Dani Fechine

17 outubro 2013

Sensibilidade a qualquer não

Sensibilidade cansa. Cansa a cabeça, os olhos. Seca-te as lágrimas. Esgota-te a dor. Enche-te de saudade, de vontade de amor, de vontade de carinho. Enche-te de solidão. Pede abraço, cafuné, “tudo vai ficar bem”, “não fica assim”, “estou com você”. Desespera-se em busca de um colo, faz um melodrama incrível e no final te joga num quarto escuro, numa cama ainda desarrumada para encharcar o travesseiro novo. Sensibilidade embrulha-te o estômago. Palavras pulam da boca como se você tivesse exagerado nos drinks; revela coisas que, sóbria de emotividade, jamais revelaria. Perde a fome, a sede e o calor. Faz frio agora. Seu cabelo ta molhado, sua roupa está longa e velha – e aconchegante – e tudo que você pede é um pouco de chuva, um chocolate quente, um livro repetido, uma carta antiga. Tudo que você pede é que alguém note essa sua trama dramática e te leve pra casa. Que te retire dessa rua fria, transforme sua terça-feira nebulosa numa sexta-feira a noite. Você precisa de alguém com tempo. Com vontade. Com coragem de ter você ao lado. 

Sensibilidade te enoja. Ardem os olhos, molha o rosto e você sente o sabor salgado de uma lágrima descendo como cachoeira. Qualquer “tchau” é motivo pra baixar a cabeça e puxar um lenço. Se despedida sempre te acabou, é dessa vez que ela te mata. O passado volta em questão de segundos. Vai até o espelho e “que situação deplorável”. Deprimente. Enche a taça de vinho. Desce rasgando. Você não come nada. Só bebe. E bebe o que tiver. Bebe água, ardente ou não, suco sem açúcar, vodka pura, conhaque e por último um café bem quente e forte pra voltar à vida. Pratos limpos, copos sujos, e uma vida inteira precisando ser lavada. 

Sensibilidade te deixa um lixo – reciclável. Incha-te o rosto, os olhos. Qualquer atenção não dada é uma nova paranoia. Qualquer “adeus” é um “eu não te amo mais”.  E qualquer texto é um novo fundo de poço pra se conhecer. Enche-te de sono. Mas dormir te dará dores de cabeça terríveis e o dia está só começando, você não quer que piore. Tenta escrever. Escrever para não implodir. Para esvair. Nada de interessante, nada de construtivo, nada que alguém, além de você, iria gostar de ler. Desapega do Word. Um filme talvez solucione. Liga a TV. Todos os filmes com contraindicações: se for sensível, não assista. Então você se afunda novamente no sofá. Pernas pra cima. Celular na mão. Nenhum torpedo, nenhuma ligação perdida. A única perdida é você. 

Sensibilidade é fundo de poço. É como assistir Zorra Total num sábado à noite, ou parar para ver o Domingão do Faustão. Sensibilidade é menos que o lixo que você coloca na rua todos os dias, é menos que o papel rabiscado que você joga no chão, é menos que você que tá lavando o chão com o reservatório esgotável de lágrimas. Foge. Foge dessa vida de eu-não-aguento-mais-essa-saudade. Procura um esconderijo. Abriga-se, protege-se. Sensibilidade, emotividade é o câncer da razão. Esfria-se. Congela-se. E não liga pros boatos, pras fofocas. Quem mais importa nesse mundo é você mesmo. Controle-se. Reaja. Levanta do sofá. Larga a panela de brigadeiro. Tira a calça moletom. Lava o rosto, passa um pó, um rímel e um batom escandalosamente vermelho. Põe aquele short jeans meio rasgado, meio retro, meio vintage. Se joga na camiseta branca e no tênis bordô. Vai ser feliz, garota, e não volta não. 

Dani Fechine

13 outubro 2013

Ruby Sparks versão masculina

Chamarei-o de Dylan. Paciente, calmo, atencioso e apaixonadamente magro, Dylan é um literato tão amador quanto eu. Ouve histórias aqui e alí de pessoas que nem sabe o nome, mas tem certeza que dariam um bom livro. De poucos amigos, ele prefere o sofá de casa, um bloco de notas ou um seriado interessante para um sábado a noite. As vezes inova indo em um "café" mais próximo e come uma fatia da sua torta favorita, sempre com alguma companhia agradável. Ama filmes. E cinema. Acha fantástico a poesia que existe nas músicas e dorme ouvindo Something, dos Beatles. Apaixonado por abraços, Dylan nunca perde a oportunidade de torná-los inesquecíveis. E únicos. Mas espera, todas as vezes que o faz, sentir a mesma sensação protetora e inacabável.

Livros nunca são demais. Há sempre uma prateleira esperando para ser usada. Não se importa com o que falam dele, afinal, sempre haverá um comentário pretensioso esperando-o. Continua usando os óculos de armação preta e apenas um pouco diferentes dos que usava na infância. Camisas lisas, de cores únicas, tênis sempre tão apaixonantes quanto ele. Seus chinelos brancos também encantam quando os combinam com aquela manga longa preta. Sua mente não para. Dylan é um amante da literatura e anda sempre comparando pessoas a personagens. É fantástica essa memória que ele tem de saber, minunciosamente, todas as características introspectivas de cada protagonista. Coloco-o como um Romeu não encantado. 

Um drink sempre lhe cai bem nas sextas-feiras. Ou até numa terça-feira entediada. Seu senso de humor é impecável. Não se trata de um palhaço fugitivo de um circo, nem um comediante de stand-up, mas me parece suficientemente engraçado para quebrar qualquer monotonia. Dylan é criativo. Com tudo. Gosta de animais, - embora isso não me venha ao caso - especialmente cães dóceis, grandes e bonitos. Sabe cozinhar. Mas só se arrisca nos pratos diferentes. Nada de arroz, feijão, bife e batata frita. Opta pelo molho branco italiano com um toque só seu e um vinho seco pra acompanhar. De sobremesa: café. 

Dylan descomplica o mundo. Consegue expressar em poucas palavras o que em texto muitas vezes não se consegue; descomplica o que a gente supercomplica. Antes de esquentar a sua cabeça com problemas solucionáveis, pega os impossíveis e transforma em tramas para futuros textos ou livros. "Tudo se resolve. Sempre se resolve." É surpreendente a sua leveza ao dedilhar as cordas do violão, sua paixão pela música e seu refinamento nos gostos. 'Tira' qualquer melodia e transforma tudo em uma bela canção. 

Dylan é extremamente inteligente. Aprendeu com a vida e com dedicação. Como dito antes, seu forte é a literatura, mas sabe um pouco de tudo. Fascinado pela história do Brasil, ele sempre tem um pouco a ensinar e a recordar. Não sabe tudo. Nem acha que sabe. É honesto, gentil, humilde e discreto, sempre disposto a aprender e a errar. É carinhoso e curioso. E nunca deixa uma surpresa passar despercebida, se estiver ao seu alcance. Um SMS de madrugada, um alô na fila do banco, um livro sem pretensão ou um "vim te dar um abraço pra melhorar nosso dia". 

Tem estilo. E mesmo que não tivesse, ele faria o seu próprio. Dylan se traduz no amor. Tem suas manias, porque se não tivesse não seria tão apaixonante. No sol forte, ao invés de fechar um pouco os olhos, levanta uma sobrancelha. E fica lindo. Milimetricamente perfeccionista, detalhista e organizado na sua própria bagunça. "- Eu sou uma bagunça. - Eu adoro a sua bagunça."  Livros sempre no lugar, organizados por uma ordem de preferência. 

E embora este pareça um texto (ou um homem) tão individualista, Dylan é apaixonado pelas pessoas. Ele ama intensamente e com todo seu coração. Por isso sofre muito e escreve muito. Suas desilusões acabam rendendo bons textos. Mas Dylan tem sua Ruby Sparks. Real. E eu termino dizendo que não sei quem tem mais sorte: Dylan por fazer alguém feliz, ou Ruby que o tem como fonte de alegria. 

Dani Fechine

11 outubro 2013

Achados: Livro publicado nas ruas do RJ

Janaína Michalski resolveu diversificar e ousar na publicação de seu livro "Não duvide: é amor". De forma diferente e encantadora, por uma influência do Facebook, a autora espalhou seu "livro" pela cidade do Rio de Janeiro, levando um amor acessível a todos.


Não duvide: É amor
















08 outubro 2013

"Os olhos mentem dia e noite a dor da gente"

Dias como esse merecem textos de homenagem, de agradecimento e de paz. Merecem um abraço apertado, um beijo estalado no rosto e um desejo de vida longa, de vida eterna se puder. Mas escrever sobre a saudade não é tão fácil assim. Um dia de "parabéns" de repente torna-se um dia de tristeza, de lembrança e de lágrimas escorrendo pelo rosto. Hoje não vai ter o bolo com salgados do dia 8 de outubro e domingo não vai acontecer um almoço em família. Mas olha, olha que incrível, hoje é primavera, as flores sorriem em todos os lugares, o céu acordou azul turquesa como nunca e o sol brilha nos chamando pra sorrir. Tudo ficará bem, embora saudade não tenha cura. Não tem remédio. Todo dia nosso coração se aperta, todo dia é uma lembrança do que foi vivido ontem.

Todo dia eu espero no portão aquela frase de cuidado: "Vá com Deus, e pelo canto do muro." Todo dia eu espero você dormir na hora da novela e acordar perguntando o que aconteceu. Eu passo a tarde querendo que você acorde e sente-se comigo pra comer um lanche, pra falar da vida alheia, pra sentir o vento bater no nosso rosto sentadas no sofá da sala. Eu me arrumo pra sair a noite e fico sentada na cadeira da mesa de jantar, esperando olhar pro lado e te ver sentada na poltrona me dizendo que estou linda e que com certeza hoje eu encontro um namorado. E no outro dia eu acordo sem ouvir alguém dizer: "Eu nem ouvi quando essa menina chegou."


Saudade não é dor. É aperto. É falta. Ausência. Carinho adormecido. É uma lembrança boa de um tempo que a gente nunca espera que acabe. De alguém que a gente nunca espera que se vá. De um abraço que a gente deseja todos os dias. Sabe, saudade é acordar e não saber por quê. É dormir e não saber pra que. É andar sem saber pra onde. Correr e não saber parar. Saudade é cantar e não ter voz. É chorar e não cair lágrimas. É sorrir e não mostrar os dentes. É cair e não se levantar. Saudade é morrer e continuar vivendo. É sentir o coração menor a cada dia. É andar calçado e sentir o chão quente. É viver de amor e continuar morrendo. 


Em datas como a de hoje, simplesmente não basta estar feliz - e ser feliz é absolutamente difícil. Mas é preciso agradecer, seja lá a quem for. Agradecer a presença insubstituível que esse alguém tornou na sua vida, agradecer o carinho que foi dado, o amor recebido, as lágrimas trocadas, as risadas compartilhadas, os brindes realizados e toda a paz, tranquilidade e harmonia que trouxe pra você. Não é porque as pessoas viram estrelas no céu - e essa é a melhor forma de acreditar - que elas não estão mais conosco. A presença é forte. E é por isso, é por sentir uma proximidade tão absurda que a saudade acaba doendo um pouco. Dói um pouco todo dia. Dói no coração e dói na alma. Dói o corpo inteiro, a cabeça, as mãos. Dói porque a saudade não avisa quando vai chegar. Não manda um telegrama, uma carta ou um SMS. Ela chega, não bate na porta, não tira os sapatos, coloca os pés no sofá e nem sequer pergunta se pode ficar pro almoço. Quando vê já está com garfo e faca nas mãos.

A saudade vem e escancara tua vida. Muda teu instinto, tua solidão, tua sensibilidade, teu aroma. Vira-te ao avesso e não te ensina a voltar ao normal. Saudade muda tua vida e não espera que você se adapte. Pode parecer fácil conviver com um sentimento de carinho e de memória, mas a consequência desse amor é a dor. Uma dor que começa no átrio direito e percorre todas as veias e artérias, e quando não cabe mais, o coração explode. E então a saudade escorre pelos olhos. O coração explode todo dia. E se deixo bem explicado ou não, fica aqui a minha lágrima de saudade e o meu eterno amor por quem ajudou a me criar. Mas ela era um anjo. E os anjos não pertencem a Terra. Feliz Aniversário!


Dani Fechine

05 outubro 2013

Achados: "Namora uma mulher que lê"

"Namora uma mulher que lê. Namora uma mulher que gaste o dinheiro dela mais em livros do que em roupas. Ok, ela se perde um pouco na arrumação da casa, mas é porque tem livros demais. Namora uma moça que tenha uma lista de livros pra ler, que tenha uma carteirinha da biblioteca desde a primeira infância.



Encontra uma mulher que lê. Vais saber que é ela, porque anda sempre com um livro dentro da bolsa. É aquela que percorre amorosamente as estantes da livraria, aquela que dá um gritinho surdo ao encontrar o livro procurado. Vês aquela moça com ar estranho, cheirando as páginas de um livro velho, numa loja de livros de segunda mão? É a leitora. Para ela, o cheiro das páginas, sobretudo quando ficam amarelas, é perfume!




Ela é a garota que lê enquanto espera no café ao fundo da rua. Se espreitares a xícara, percebes que o calor já se foi, perdidos, os dois, ela e o café, em um mundo feito pelo autor. Senta. Admira-a de relance, porque a maior parte das mulheres que lêem não gostam de ser interrompidas. Oferece-lhe outra xícara de café.




Diz-lhe o que realmente pensas do Murakami. Descobre se ela foi além do primeiro capítulo da Irmandade. Pergunta-lhe se gosta de Clarice. Ou se gostaria de ser Alice.




É fácil namorar uma moça que lê. No seu aniversário, no Natal e em datas especiais, dê-lhe livros. Ofereça-lhe palavras como presente, em poemas, em canções. Ofereça-lhe Neruda, Pound, Sexton, cummings. Deixa-a saber que tu percebes que as palavras são amor. Que sabes a diferença entre os livros e a realidade.




Minta. Uma vez, duas, deslavadamente. Se ela compreender a sintaxe, vai perceber a tua necessidade de mentir. Atrás das palavras existem outras coisas: motivação, valor, nuance, diálogo. Nunca será o fim do mundo. 




Trate de desiludi-la. Porque uma mulher que lê compreende que o fracasso conduz sempre ao clímax. E que todas as coisas chegam ao fim. Que sempre há a possibilidade de se escrever uma sequência. Que pode-se começar outra vez e outra vez e continuar a ser o herói. Que na vida é suposto existir um vilão ou dois.




Temes que ela descubra tudo o que não és? As mulheres que lêem sabem que as pessoas, tal como as personagens, evoluem [exceto na saga Crepúsculo]. E quando a vires acordada às duas da manhã, chorando, com um livro contra o peito, envolva-a com um abraço. Prepara-lhe um chá. Podes perdê-la por uma ou duas horas, mas ela volta para ti.




Quando menos perceberes, já está: alugas um balão de ar quente e te declaras. Ou durante um concerto de rock. Ou, casualmente, na próxima vez que ela estiver doente, pelo skype. Vais sorrir tanto que te perguntarás por que é que o teu coração ainda não explodiu e espalhou sangue por todo o peito. Juntos, vão escrever a história das suas vidas, terão crianças com nomes estranhos e gostos ainda mais estranhos. Ela vai apresentar aos seus filhos o Gato de Botas e Aslam - talvez no mesmo dia. Vão atravessar juntos os invernos da velhice e ela recitará Keats, num sussurro, enquanto tu sacodes a neve das botas.



Namora uma mulher que lê, porque tu mereces. Mereces uma mulher que te pode dar a vida mais colorida que consegues imaginar. A não ser que prefiras a monotonia, horas requentadas, propostas meia-boca... Mas se queres o mundo e os mundos que estão para além do mundo, então, namora uma mulher que lê. 

Ou, melhor ainda, namora uma mulher que escreve."

Encontrado em: http://ouisto.blogspot.pt/2012/02/procurando-namorada.html