25 abril 2018

Querido esporte, voltei



Eu não imaginava que um dia eu voltaria a sentir a mesma sensação de quando colocava os dois pés na quadra pra jogar handebol. Eu devia ter entre oito e nove anos quando conheci o esporte pela primeira vez. Entrei na natação querendo ganhar o mundo. Competia com minha irmã pra ver quem tirava o melhor tempo. Me superei aos poucos, subi de turma três vezes e desisti das águas geladas em um desses invernos.

Mas, ainda criança, eu voltava pra casa com a sensação de liberdade e leveza. Mais de 12 anos depois descubro que tudo isso é culpa do esporte. Dos nove para os dez conheci o vôlei e o handebol, e me arriscava feio no futsal. Tive professores incríveis, além de amigos que me empurraram e me ajudaram a passar um pouquinho mais de tempo em quadra.

Quando arremessei a primeira bola de handebol, descobri o que era extravasar. E parecia que era aquilo que eu iria fazer para o resto da vida. Mas, mais uma vez, em um desses anos de vestibular, desisti até das aulas de educação física. O mundo me dizia que a teoria era o mais importante naquele momento, mas todos os dias eu lamentava o fato de não ter apoio na escola para crescer no esporte.

Quando aprendi a fintar, no primeiro dia de aula com professor Tim Maia – não o cantor, o treinador magnífico que, infelizmente, se foi – machuquei o dedo. Entendi que o esporte tem suas glórias e tristezas. Mas em todas as vezes que eu entrava em quadra, me envolvia de uma sensação difícil de explicar. Uma mistura de satisfação com, mais uma vez, leveza. A sensação era de voar em cada arremesso. E de ultrapassar todas as dificuldades em cada finta que eu conseguia concluir.

Aos 23 anos não faço mais natação, nem jogo mais handebol. Passei anos tentando me encontrar novamente na atividade física. Sempre repetia que era no esporte que eu me satisfazia. Nunca encontrei o momento perfeito pra voltar para eles. Talvez porque não tivesse mesmo que continuar a nadar ou estufar a rede. Mas quando eu participei da minha primeira corrida entendi que o esporte nunca sai da gente.

Sempre amei a sensação que a corrida de rua me proporcionava. Nada mais pode me abalar quando termino de correr. Sou capaz de enfrentar tudo o que o meu dia tiver pra me oferecer, seja coisas boas ou ruins. Quando aceitei o desafio dos primeiros cinco quilômetros, voltei aos oito, nove anos, quando a professora marcou o meu tempo pela primeira vez na natação.

Completei a prova e a vontade era de voltar a correr naquele mesmo instante. Cruzar a linha de chegada foi como roubar a bola e fazer um contra-ataque sem chances para a goleira, atingindo um impulso que raras vezes tive oportunidade. Concluir a prova foi ouvir o apito da professora de natação, seguido do relógio marcando meu tempo. Foi um pouco de superação, porque todo mundo que se aventura em algo novo, se supera. Foi uma bela redescoberta. Do esporte e do que meu corpo ainda é capaz de me oferecer. Entendi que até na corrida de rua o esporte é coletivo. Precisamos uns dos outros. As vezes do silêncio, as vezes do incentivo, as vezes só do apoio na hora da dor que, sim, também chega sem avisar. Foi o meu retorno não às quadras, nem à piscina, mas às ruas.

Dani Fechine

20 dezembro 2017

#DiárioDeLeitura: Correr - o exercício, a cidade e o desafio da maratona


No dia 7 de dezembro decidi desafiar o meu corpo, o meu fôlego e a minha disposição. Instigada por um 2018 imprevisivelmente diferente, resolvi traçar metas com vários objetivos diferentes: sonhos, saúde, solidariedade e saudades. Um conjunto de "s" que vão me realizar enquanto ser humano. Então comecei ainda em 2017. Chamei o amigo mais disposto que conheço, coloquei o tênis e fui. A meta é completar uma corrida de, pelo menos, 5km.

Um dia depois, me agarrei a Drauzio Varella. Já havia me encantado por ele em "Prisioneiras" - livro que devo comentar em breve -, mas em "Correr" eu me apaixonei. Não apenas por começar a mergulhar em mundo semelhante ao que ele escreve, mas principalmente por admiração e respeito. "Cinquenta anos. Idade em que tem início a decadência do homem". Essa frase vai te acompanhar durante toda a leitura, ainda que não apareça com tanta frequência. Drauzio resolveu iniciar a sua vida aos cinquenta, depois de ser praticamente afrontado com essa frase. Tornou-se corredor de rua e o objetivo não era tão pequeno quanto o meu: transformou-se em maratonista. E está aí a beleza do seu livro.

Médico mas, antes de tudo, um ser humano incrível, ele conseguiu. Superou desafios e fez da corrida o seu estímulo diário, o seu escape, a calmaria e o remédio necessário para aguentar a batalha árdua do dia com bom humor e concentração. A cada leitura, o meu objetivo parecia ganhar mais foco. Por mais que você não queira ser um corredor de rua ou maratonista, leia. "Correr" é um livro sobre coragem. Além disso, se quer conhecer um pouquinho do mundo, o livro de Drauzio é uma boa entrada. 

O fato é que, como somei a minha prática com a leitura, tudo foi muito prazeroso. Eu entendi, guardadas as devidas proporções, todas as questões abordadas por ele. E aprendi. Apreendi. Conheci. Drauzio me apresentou lugares lindos como Blumenau, Nova York, Chicago, Boston, Tóquio, Miami. No Brasil, percorreu maratonas que marcaram a sua vida de corredor de rua. 

Criei um fascínio pelo encanto que deve ser correr em ruas de lugares desconhecidos. Conhecer cidades através da corrida de rua e decorar na memória cada esquina, cada viela, para voltar com segurança. Se a beleza dos lugares me foi vistosa demais por meio da leitura, imagina se faço isso realmente? "Correr" foi o empurrão que eu precisava. 

Em 2016 estive em São Paulo pela primeira vez. Diferente de tanta gente, fiquei maravilhada pela cidade que não para, pelos prédios altos, os bairros arborizados e os parques enormes que transmitem, facilmente, a sensação de paz. Drauzio Varella descreve alguns percursos que faz em São Paulo como treinamento para correr suas maratonas. Ele fez renascer em mim a vontade de voltar. Mas dessa vez observando, sem correria, mas correndo.

Dani Fechine

15 dezembro 2017

#DiárioDeLeitura: O casamento

Nas minhas andanças por congressos na área de jornalismo, conheci uma pessoa que me fez apaixonar, cada vez mais, pela profissão. Com reportagens literárias, em profundidade e subjetivas, fiz de Fabiana Moraes não apenas uma grande inspiração, mas também objeto do meu trabalho de conclusão de curso. Pelo Jornal do Commercio, em Pernambuco, se destacou como repórter especial, produzindo séries e grandes reportagens que marcaram a sua carreira de jornalista e a vida de pessoas que se dispuseram a ler essas empreitadas.

Um desses especiais ganhou o título de A Vida é Nelson, em agosto de 2012. Essa frase ecoa sempre, para onde quer que eu vá. Fabiana precisava encontrar histórias reais que, de tão absurdas, pareciam ficção. Foi quando descobri esse especial, agora em 2017, que resolvi me agarrar de vez a esse grande, que vez ou outra me prende a alguma história mirabolante. Já estava lendo "A vida como ela é", volume I, mas uma amiga me enviou - sem saber dessa ligação atual com Nelson Rodrigues - o livro "O casamento", o qual ela já havia terminado de ler e estava me emprestando. O livro viajou de Fortaleza a João Pessoa, mas terminei mais rápido que o percurso que ele deve ter enfrentado.

"O casamento" é uma bela viagem a uma festa que você não foi convidado, mas está a espreita, observando tudo de longe. Fico fascinada com essa capacidade inata de Nelson Rodrigues de transformar um dia, em um livro. Sem spoiler, a história se passa na véspera do casamento de Glorinha e Teófilo. E todo o livro acontece em 24h. Nelson consegue falar sobre a vida, sem imitá-la, sem entregá-la à monotonia ou clichês. 

Sempre me chamou muita atenção a recorrência de casos de traição, morte e vingança nos contos de Nelson Rodrigues. Em "A vida como ela é" as histórias estão recheadas de adultérios. Quando comecei "O casamento" tive a impressão de encontrar muitas diferenças. Uma crônica expandida sempre dá margem para muitas mudanças durante o seu enredo. Não posso dizer que o livro é mais do mesmo, porque Nelson sempre surpreende, nunca decepciona. Mas existe nele a marca da sua escrita: o toque de realidade em uma ficção mascarada pelas mentiras e intempéries da vida. 

"O casamento" nos deixa extasiado, vidrado, prontos para acompanhar um desfecho massacrante em uma festa matrimonial bem marcada e prestes a acontecer. Começá-lo nos dá uma boa vontade de terminá-lo, pois a impressão que fica é que, quando paramos a leitura, paramos também o dia. E retornamos, logo depois, de onde estávamos, como se do lado de cá da realidade as horas também não passassem. Essas extravagâncias de Nelson é que me fazem vidrar nas folhas do livro. Recheado de paixões, desarranjos e desencontros, "O casamento" não fica para trás das crônicas humanas e agoniadas de "A vida como ela é".

Quando encerrei o último capítulo, a única frase que ainda vinha a minha mente era: a vida é Nelson. Isso tudo tem a ver com pertencimento. Com sentir-se parte e carne durante a leitura. Com transportar-se para a história, imaginar cenas e cotidianos que não são os nossos e se envolver em tragicomédias até certo ponto inacreditáveis. A vida é Nelson.

Dani Fechine

28 maio 2016

Dona Ivone voltou a ser criança

Foto: Evandro Pereira

Ivone Pereira Portela, que demonstra um rápido impulso no olhar quando é chamada de Didi, tem 84 anos, mas não se reconhece mais. O olhar silencioso mostra a sua mente vagando em algum espaço que ainda está à procura. É composta de corpo, alma e coração, mas o passado não habita mais a sua vida. Há mais ou menos 15 anos Dona Ivone convive com a doença de Alzheimer e recebe de graça o amor e o carinho da filha Clarinda, que largou a própria vida e se entregou a viver mais uma: a da mãe.

Didi é vaidosa, os olhos verdes combinam com a estampa da blusa. Seu cheiro é de gente que tem saudade de si e da vida, mas que não é infeliz por isso. De pernas cruzadas, com as mãos no joelho, Dona Ivone brinca com os chinelos vermelhos combinados com a saia. Tudo isso é obra de Clarinda que, sem deixar faltar amor, cuida da mãe como se fosse filha.

De início, Ivone se perdeu duas vezes na rua e não sabia como voltar para casa. “A primeira vez uma colega minha trabalhava perto da lagoa e percebeu que ela estava sozinha e desorientada, então colocou ela dentro de um ônibus para casa. A segunda vez ela foi à casa de uma amiga e não acertou voltar”, conta Clarinda Pereira. Depois desses episódios, Dona Ivone passou a guardar os objetos em lugares completamente diferentes dos habituais. A partir desse momento, os profissionais entraram em cena. “Acho que a pessoa com Alzheimer não deve ser tirada do lar e mamãe insistia em ir embora para Patos. Ela foi e lá percebi que eu tinha que tomar conta. A pessoa com Alzheimer fora do seu lugar fica mais perdida”, Clarinda explica.

Foi quando, por amor, por carinho e por gratidão, abriu mão da própria vida. Cursava Ciências Contábeis e, mais ou menos na metade do curso, parou. Clarinda agora cuida de uma criança de oitenta e quatro anos. “Ela é minha mãe. É o meu tudo”, a filha não precisa de explicações para se dedicar à saúde de Ivone. O amor basta para as duas que, desde sempre, estiveram juntas. “Só nós duas”, Dona Ivone às vezes diz a Clarinda, que acredita ser uma missão e está à disposição para cumpri-la até o fim.

Ivone começou a esquecer até o que havia comido. Ganhou peso e mais alguns esquecimentos. Adorava passear no comércio aos sábados e, depois do Alzheimer, a senhora de olhos verdes não queria mais entrar nas lojas. Inevitavelmente, a memória de amor que guardara até o último momento, foi se perdendo. Não reconhecia mais os filhos, gravou apenas o nome do mais velho e da mais nova. Clarinda nunca esperou por isso. Não imaginava que sentiria o coração desfalecer antes do tempo. Mas quando Dona Ivone não a reconheceu mais, parecia que a morte havia chegado antes do tempo. “Foi quando eu senti mais. Isso pra mim foi a morte”, conta.

Clarinda agora é mãe e filha ao mesmo tempo. Dona Ivone acorda às oito horas e vai logo tomar um banho, lavar o corpo e esfriar a memória. Em seguida, toma a sua vitamina e descansa o resto do dia na poltrona que fica na sala. Brinca com os chinelos e o lençol, enquanto Clarinda faz os seus consertos de roupa. “Pra não enlouquecer eu inventei de fazer costura, pra ver gente e fazer alguma coisa. Só consigo trabalhar pela manhã, que ela está dando o cochilo dela”, relata.

Clarinda deixa claro e é fácil concordar com ela. Cuidar de uma pessoa com Alzheimer requer conhecimento. De causa e interior também. É preciso conhecer os detalhes, as vontades, as necessidades e o limite do outro. É realmente como se fosse uma criança que não fala, não anda e não consegue pedir o que deseja. A mãe precisa ter calma, prestar atenção e entender. Além de manter uma rotina constante, uma atenção diária, uma observação que não cessa. Com o tempo, a linguagem torna-se fácil e já é imediata a atenção que a criança recebe. É preciso tempo para conseguir tamanha sintonia. Profissionalmente, Dona Ivone recebe a visita de uma fisioterapeuta dois dias na semana e de uma fonoaudióloga, para exercitar a voz e melhorar a alimentação.

Clarinda nunca apanhou na vida, muito menos da mãe. Mas hoje, como uma criança chateada nos braços da mãe, Dona Ivone dá tapas no rosto da filha, mas já com pouca força. “No início quando eu ia fazer a higiene dela, apanhava muito na cara”, Clarinda conta sorrindo. “Quando ela percebe que eu estou mandando, ela faz por pirraça. É um menino mesmo, só faz o que quer. Tem hora que ela sabe o que está fazendo”, completa. Dona Ivone nasceu agora e ainda está aprendendo a lidar com esse mundo que não a compreende. Mas já reconhece nos braços da mãe – ou da filha – o aconchego que precisa.

O olhar de Clarinda é com amor. Mas um amor que ultrapassa patologias. Um amor que reconhece no outro apenas a necessidade de ajuda. Um amor sincero que não vê doença. “Se você for olhar a doença, você chora, entra em desespero. Uma pessoa com Alzheimer precisa, principalmente, de muito amor”, diz. E isso não falta para Ivone. Transborda em abraços, em beijos, poemas e carinho. Transborda em cuidado, em atenção e saudade, mesmo na presença, mesmo ao lado. E é recíproco. Dona Ivone só quer carinho. E não é poupada disso.

“Os idosos com Alzheimer são muito carentes, porque todos se afastam”, Clarinda relata. Mas, ainda assim, Dona Ivone que prefere ser chamada por Didi, sorri e parece gostar das brincadeiras de Clarinda. Ela pode, inclusive, não se reconhecer ao se olhar no espelho, mas se alegra com os pequenos detalhes, porque felicidade não requer sentido.

Dona Ivone sempre foi muito dinâmica, sempre procurou fazer alguma coisa. Clarinda, inclusive, herdou dela o gosto pela costura. Mas, de repente, foi deixando os seus costumes e hoje é a filha que assume a casa. Clarinda costuma dizer que Dona Ivone não é mais a mesma. É o corpo dela que está sentado na poltrona. “Cadê mainha? Mainha já se foi. Acho que ela só está cumprindo o tempo dela”, desabafa. A saudade chega antes mesmo da partida.


Tudo isso se chama agradecimento, não cuidado. Clarinda já foi a filha acalentada nos braços de Dona Ivone, mas hoje é ela que embala os sonhos da mãe. Como uma gravidez às avessas, filha e mãe trocam de papel.

Dani Fechine (originalmente publicado no Jornal A União)

Gregório Duvivier, um autor-ator

Autor-ator, ator-autor. Não se sabe. Gregório Duvivier é uma mistura inteligente de fazer graça com as palavras. Escreve com tanta personalidade como quando atua. Seus passos em paco são palavras embaralhadas, improvisadas. As linhas do texto são cenas protagonizadas em ensaio.
Gregório Duvivier é um ator, mas também humorista, roteirista e escritor. Ficou conhecido pelo seu trabalho no cinema e no teatro e, desde 2012, tornou-se o Gregório do Porta dos Fundos, canal de humor no youtube. É autor dos livros A partir de amanhã eu juro que a vida é agora, Ligue os pontos – Poemas de amor e Big Bang, Put Some Farofa e Percatempos – tudo que faço quando não sei o que fazer. Gregório Duvivier também assina uma coluna semanal na Folha de S. Paulo.
No dia 22 de novembro, o escritor participou do evento Campus Festival, falando sobre a sua vida profissional, bem como declarando opiniões a respeito de determinados temas que costuma tratar em suas colunas, como a religião e a legalização da maconha. Vem conferir e conhecer mais um pouco desse cara!

Dani Fechine: Como foi a sua carreira até atingir esse momento que você vive hoje?
Gregório Duvivier: Sou ator, antes de mais nada. Comecei a fazer tetro com nove anos de idade, então sou apaixonado por teatro, é isso que me define. Mas aos poucos fui descobrindo o prazer de escrever, inclusive, para teatro. Porque eu acho que o autor consegue dizer o que pensa e o ator não. O ator só diz o que pensa através dos trabalhos que ele escolhe. Então eu senti a vontade de dizer o que eu pensava e comecei a escrever para teatro, fazer vídeos. O Porta dos Fundos veio exatamente para isso. A gente queria ser autor-ator, gênero que eu acho muito legal. De modo geral tenho escrito e atuado por aí.

DF: Quando foi que nasceu o Gregório ator, humorista, e o Gregório escritor?
GD: O Gregório humorista nasceu no tablado, no teatro mesmo. Quando comecei a fazer teatro eu vi o poder do riso e isso é viciante. Supre uma carência de todos nós, eu acho, de aprovação, de afeto. Em geral o humorista não se declara humorista, as pessoas é que o declaram. Só quando subi no palco foi que eu percebi que as pessoas estavam rindo de mim.

DF: Qual foi o momento mais decisivo da sua carreira?
GD: Foi quando eu saí da Globo para fazer o Porta. Nós [a equipe do Porta] éramos contratados da Globo e escolhemos sair daquela emissora, que era um emprego seguro, para fazer o nosso próprio negócio. Foi um momento bem decisivo.

DF: Quem são seus grandes inspiradores?
GD: No humor, tem o Millôr Fernandes, com um humor das antigas, escrito e desenhado. Como ator, o Pedro Cardoso, que é um cara que eu amo, Fernanda Torres também acho genial, brilhante. A gente tem no Brasil essa tradição de bons atores-autores, como o Pedro e a Fernanda. Atores que escrevem muito bem ou autores que atuam muito bem. Lá fora, claro, destaco Woody Allen. Gosto muito das pessoas que fazem humor com drama. Chaplin, por exemplo, acima de tudo. Pessoas que fazem humor com poesia, sobretudo, acho que isso é muito fundamental.

DF: Você se imaginava chegar até onde você chegou?
GD: Sim, mas eu imaginava na verdade coisas muito maiores. Quando eu era pequeno eu imaginava que eu ia ganhar o Prêmio Nobel da Paz. Eu tinha ambições muito maiores que essa. Achei que com 29 anos já teria morado em oito países diferentes e nem saí do Brasil praticamente, nem nunca morei fora. Achei que eu fosse ter resolvido vários problemas internacionais, e eu não fiz nada.

DF: Você acha que é possível quebrar o lado conservador da mídia?
GD: Sim, eu acho que é função de todos nós escrevermos, empurrarmos as fronteiras. Porque as pessoas falam sempre que não pode. O jornal está dizendo o tempo todo a maneira como você tem que escrever. Na faculdade de jornalismo você aprende o tempo a pirâmide invertida. Eu acho que é tarefa nossa dizer: “quem falou que é assim?” O jornalismo sabe mesmo fazer? Os donos dos jornais estão falindo, então você querem dizer pra gente como é que faz? Então, de modo geral, tem-se muito a aprender com quem está escrevendo hoje, os jovens principalmente, e os jornais têm que aprender com eles. O modelo antigo do jornalismo, inclusive vinculado a grandes empresas e interesses privados, está caindo, está decadente. Os grandes jornais estão sempre ligados a grandes famílias de poder no Brasil. Isso eu acho criminoso, é sinal que nós somos um país muito atrasado em relação à liberdade de imprensa. E acho que a internet está mudando isso. Nós temos uma imprensa mais livre, eu acredito muito no poder da internet quando se trata disso.

DF: Os seus textos da Folha, geralmente, causam muitos debates na mídia. Como você lida com o confronto de opiniões?
GD: Eu acho que a competição é muito necessária. É muito importante as pessoas discordarem de você. Particularmente, eu não gosto muito de me envolver em brigas na internet, porque eu acho que elas são pouco frutíferas. Acho bom os diálogos interessantes. Me incomoda os diálogos ofensivos, que te desautoriza e parte para taques pessoais. Esses eu nem leio, porque sei que vou me magoar.

DF: Quais dificuldades você encontra para defender as suas bandeiras sociais e políticas?
GD: Eu acho que a gente vive num país que está com a democracia ainda muito verde, começando. As pessoas não estão acostumadas a discordar. Me incomoda que o Brasil ainda seja um país muito conservador. Um país onde nunca houve uma grande revolução, apenas golpes. E os golpes no Brasil não vieram para mudar a estrutura social, vieram para dar continuidade. Então, de modo geral, o Brasil é um país que não sabe mudar e não quer mudar. Penso que nós somos muito retrógrados e antigos. O aborto no Brasil, por exemplo, nem está sendo discutido direito. As drogas, ninguém fala de drogas sem preconceito. Os Estados Unidos são também um país conservador, mas eles já perceberam que algumas batalhas já se perderam e que é melhor regulamentar do que fazer a guerra às drogas. Além disso, ninguém vai conseguir acabar com o aborto, ele vai continuar sendo feito, mas de forma perigosa para a mulher. Então tem que liberar exatamente para que ele seja mais seguro.

DF: Como você acha que a internet, o humor, a arte, podem ajudar no debate político da sociedade?
GD: Eu acho que a internet possibilita você a ter diálogos mais horizontais. Eu acho que assim as coisas se resolvem melhor. Vertical é o que o jornal faz, é uma pessoa que diz o que você vai ler todos os dias. É uma relação de poder. E na internet é uma relação horizontal, você escolhe o que você vai ler. Você está falando de igual para igual com o leitor. Jornalista e leitor são semelhantes e isso é muito poderoso. Você passa a ter outro tipo de relação entre conteúdo e leitor, entre produtor e conteúdo, entre consumidor e conteúdo. Você vai ter relações mais livres. E eu acredito muito nisso: internet livre, conhecimento livre. Acho que isso é muito utópico, mas é muito bonito acreditar nisso.

DF: De quem surgiu a ideia de colocar no Porta dos Fundos os debates religiosos, sociais, políticos?
GD: A gente sempre gostou disso. Porque eu acho que o tabu é uma grande inspiração para a comédia. O humor bebe muito no risco, no proibido. Por isso é tão comum crise de riso em velório, enterro e, de modo geral, aquilo que você não pode rir é a coisa mais engraçada que tem. Então a gente se alimenta muito de tabu, com certeza. E acreditamos muito que a piada é muito poderosa. Acreditamos no poder do humor.

DF: E quais são os planos daqui pra frente?
GD: Continuidade, acima de tudo. O problema da internet é que as pessoas fazem tudo achando que é um hobby e não leva a sério, não continua. E a gente quer, sobretudo, continuar fazendo o que a gente faz. E eu quero continuar escrevendo, continuar atuando. Esse ano teve a peça do Porta, ano que vem o filme. Tem sempre outros braços que a gente vai esticando.