26 novembro 2014

Clara



Na multidão silenciava, na introspecção se divertia. Clara era aquela que ninguém conhecia, mas que carregava consigo um amor inabitado. De livro nas mãos andava pelas suas e onde parava abria na página em que terminara na última vez. Não perdia a progressão. Tinha uma memória larga e um pensamento vasto. Nos momentos de intervalo de uma leitura a outra, Clara imaginava o que poderia vir nos próximos capítulos. Criava os seus próprios personagens para que fossem logo quebrados nas linhas seguintes. 

Sobre ela? Ah, Clara era personagem do seu próprio mundo desconhecido. Amara em silêncio aquele que já a amou em voz alta. Era impedida por ela mesma de voltar atrás. O orgulho sempre foi maior que o seu coração. Esse é um defeito seu que ainda não aprendeu a superar. Nem suas leituras diárias e repletas de vidas interligadas e entrepostas na sua foram capazes de mudar um pouco o individualismo vaidoso que carregou 22 anos da sua vida. 

Clara amava como ninguém. Era da moda antiga. E infinitamente capaz de entregar-se ao sentimento. Mas não ao homem a quem deveria receber esse amor. Clara era dela e somente dela. Vivia habitada no seu mundo meio cinzento e espalhava o seu amor aos quatros cantos. Do quarto. Perdeu a crença nas pessoas. Tanta leitura, tanta imaginação. O seu mundo pessoal e introspectivo parecia mais interessante do que a gritaria lá de fora. Não deixou de recriá-las. Ouvia Chico Buarque no banho, mas pela melodia, pela poesia. A melosidade nunca lhe agradou. Era feita de espinhos internos onde a subjetiva entrava rasgando tudo. 

Escrevia. Mas escrevia para si. Não era sua intenção explodir o mundo inteiro com palavras que nunca foram ditas. Nunca quis ocupar as pessoas com seus questionamentos e suas teses infantis, mas racionais. Se tinha uma coisa que Clara tinha certeza é que ela sabia. Sabia do que sentia. E sentia exatamente o que sabia. Seus apontamentos nunca desviaram a linha da verdade. Como toda mulher, Clara sabia. E vivia muitas vidas por isso, no sentido de escrever várias delas. Criava. E com isso se recriava.

Clara era amor em palavras. Mas rancor em sentimentos próprios. Era mágoa. Lembranças. Marcas de histórias remendadas e mal acabadas. Clara era uma vida não vivida. Era composta por amores inesquecíveis. E dos que podia esquecer fazia questão de lembrar. Suas caixas sempre foram seus tesouros martirizados. Vez ou outra tirava do esconderijo o que os olhos não alcançavam. Só o coração era capaz de atingir.

Clara era isso tudo e não era nada. Mas tinha amor. Embora guardado. Embora contido. Embora só seu. Era amor. E era disso que se alimentava. As vezes espalhava em palavras. As vezes em verbos mal posicionados. Mas era amor. E habitava nela de alguma forma. Clara ninguém viu, ninguém sabe, ninguém cogita traduzi-la. Ela é amor e nem disso sabe. Clara é oca para o mundo. Mas transborda para si mesma. 

Dani Fechine