31 dezembro 2013

Surpreenda 2014

Despeço-me de 2013 batendo a porta e certificando-me de que ela está completamente fechada, travada, sem brechas ou escoras. Meu adeus é com uma tapinha nas costas nada convencional e dois beijinhos na bochecha sem encostar uma na outra. Deixo gravado na pele, no coração e na alma, cada dia e cada minuto importante, simples, mas que de alguma forma me fez firme. Nada a declarar. Apenas vou embora dando as costas para o que ficou e forçando um sorriso amarelo para o que deseja chegar.

Todo ano é um recomeço para as promessas do que ficou. E para um ano tão insosso, aguado e desmilinguido como esse, nada mais justo que burlar essa tradição fajuta de listar uma nova dieta, ler mais, estudar mais, trabalhar mais, se divertir mais, e uma infinidade de itens que se repetem a cada 365 dias. Aquele clichê de que “não é o ano que tem que mudar, e, sim, você” é a verdade (infeliz) que nos faz fugir dessa exatidão. Porque é exatamente isso. O ano muda, os fogos anunciam a sua chegada, brindes são feitos, shows encenados nas praias, praças e afins em todo o país, abraços afetuosos – ou não – e simplesmente tudo retorna ao marco zero. Aquela ilusão de que um novo ano vai mudar a sua vida já foi apagada há séculos sem fim por você mesmo. Essa coisa não muda. Não assim. Não adianta vestir branco, amarelo, vermelho. Você não vai ter paz, dinheiro ou amor por conta disso. Você dorme e acorda da mesma maneira, o ar quente lá fora ainda sopra feito fogo, no Sul o frio ainda alegra a população, ainda tem gente morando na rua, passando fome, e não, nada mudou. A não ser a data que você põe no canto direito do caderno. O último dígito.

A verdade é que se não fizermos nada para um novo ano chegar, e fazer jus ao “novo”, 2014 continuará sendo apenas um calendário diferente na parede da cozinha. Chega das promessas, chega das listinhas e dos planos. Ou melhor, faz, sim, a tua lista. Mas coloca um único item, uma única cláusula. Não cria alíneas ou subalíneas. Marca “mudança” como o único plano digno de 2014. E então brinde. Encha a taça de champanhe. Coloque a bendita roupa branca, a calcinha amarela, sutiã vermelho. Pula as 7 ondinhas, faz superstição pra Iemanjá. Mas não esquece, pelo amor do bom ano, que é você o alvo dos próximos 12 meses. Não esquece que toda essa efervescência  e overdose do chavão “2014, me surpreenda” é mais um clichê das redes sociais e de quem não tem disposição e coragem de levantar da cama e fazer diferente. Então, vá lá, surpreenda 2014.

Final de ano é trivial, é vulgar, é estereotipado, previsível. Não há como correr dos jargões, das frases feitas, dos desejos natos e chatos. O que há é uma fuga apressada e ao mesmo tempo temerosa de que o sol nasça e nada mude. Um impasse tremendo entre seguir como está ou simplesmente radicalizar no quesito futuro. Não há um meio termo no dia 31. Ou se está escandalosamente feliz – seja lá os meios que os deixam nesse estado quase inalcançável – ou se permanece numa fossa, numa depressão, que nem mesmo os fogos embriagados ao sabor do espumante vão fazê-lo mudar alguma coisa no ano que se aproxima, sorrateiramente. Permita-se ao talvez. Ao pensamento. À dúvida. Ao questionamento. Entregue-se ao acaso, desengata a marcha ré e esquece que acordou em um novo ano. 10, 9, 8... Os fogos estão em ponto de partida. As pessoas começam os abraços, os beijinhos, e as taças já transbordam. 4, 3, 2, 1 e feliz ano novo. Carlos Drummond diria que agora tudo começa outra vez, com outro número e outra vontade de acreditar que daqui pra diante vai ser diferente.

Dani Fechine

24 dezembro 2013

Por trás dos presentes


Não vamos ser clichês. Natal não se traduz basicamente no nascimento de Cristo, tampouco em mais uma data comercial, de correria, agitação, luxúria e ambição, onde os sete pecados parecem se sobressaírem com excelência. Basta ter olhos de promessa, desejos de criança e aquela atenção infinda que a sua avó te dá e sempre te deu todos os dias. Natal não é ímpar. Não é o dia 25 comemorado no dia 24. Não é aquele presente no canto da árvore, não é a ceia à meia noite e muito menos a roupa nova que você comprou junto com aquele sapato da última coleção. Natal não é luxo, queridos leitores.

Vou-lhes contar onde está o espírito da coisa. Onde a gente encontra essa palavra tão animalesca e ao mesmo tempo tão personificada e coisificada em banalidades. Natal, meus caros, está na inocência de uma criança em acreditar que Papai Noel é sim, um velhinho com grande barba branca, uma barriga enorme, um saco vermelho imenso recheado de presentes e conduzido com toda a magia do mundo por suas renas em seu trenó. Natal é ver o brilho nos olhos de um menino que pouco tem de comer, de vestir, de brincar e alguém o presenteia, seja com um um carrinho de madeira, seja com uma ceia. Essa estrela brilhando incessantemente no olhar é o Natal da forma mais mágica que você pode imaginar.

Natal é a família reunida. É reencontrar parentes. Dizer que "não, tia, eu não tenho namorado". Natal é abraçar. Ser sincero, desejar profundamente o bem do outro, sem olhar pra si. É deixar o egoísmo de lado e praticar a generosidade, a bondade, humildade, e sempre a honestidade. É comprar um presente sim, mas não por obrigação; é presentear por amor, por gostar de ver um sorriso no rosto de quem o recebe; presentear pelo simples fato de se satisfazer ao entregar a alguém um pacote dourado com fitas vermelhas.

Natal também é a ceia. Mas é muito mais o compartilhamento, a retribuição, a gentileza com o outro. Natal é repartir a fartura dos que tanto têm com os que com pouco vivem o ano inteiro. É visitar um amigo distante, matar as saudades; porque Natal é também época de reconciliação, de sorriso estampado no rosto com toda a sinceridade existente nessa vida.

Natal é fazer o bem sem olhar a quem. É seguir esse ditado clichê mais a risca do que nunca, é levar alegria a quem a procurou a vida inteira, mas nunca a encontrou. É levar esperança à quem a perdeu por algum motivo importuno, alguma tristeza involuntária. Natal é perguntar “você precisa de ajuda?” quando na verdade é você mesmo que necessita de uma forcinha pra se levantar. É dar a mão quando você também precisa recebê-la. É se preocupar com o outro, ainda que a sua vida não esteja em pleno carnaval.


Natal é quase amor. Parece-me uma época meio falsa, meio camuflada por presentes, joias, roupas e chocolates. Mas olhando com olhos-de-esperança e sorrisos-de-encanto, essa data muito me agrada. Se a gente resolver incorporar Pollyanna durante um dia sequer e jogar "o jogo do contente" tudo parecerá ter uma estrelinha brilhando lá no fundo. Há um lado bom nessa coisa de trocar bondades mascaradas de obrigações. Há um brilho especial, uma magia contagiante. Não existe um pozinho de pirlimpimpim, mas vá lá, exala teu brilho próprio porque tem muita gente precisando dele pra brilhar um pouco. Natal é compaixão. Saudade. E sim, natal é amor. 

Dani Fechine

20 dezembro 2013

Entre outras linhas: desencanto


Com você as coisas mudaram um pouco. Desde que você chegou, abriu a porta da minha casa sem bater, entrou de chinelos e não pendurou o chapéu, eu sabia que você trazia consigo uma nova escova de dente e uma muda de roupa. Aquele nublado no céu da terça-feira aqueceu-se. O sol nasceu em pleno poente e a chuva caiu em todos os lugares, mas aqui não. Havia uma espécie de capa protetora sobre nós dois. Nada parecia nos atingir. Exceto nós mesmos.

Quando eu te vi levantar da cama devagarzinho, e pegar apenas uma xícara de café bem quente, ficou meio na cara que a minha frieza tinha emanado o prédio inteiro. Era dezembro, terça-feira, dia 7. Chovia em pleno verão. Você sentou-se ao sofá, jogou as pernas pra cima, ligou a TV naquele canal que eu não suporto e nem se preocupou com o fato de que o volume estrondoso poderia me acordar. Não recebi um bom dia sequer. A bolha que vivíamos diminuíra e agora somente você, você e sua xícara de café, habitavam o local.

Não pestanejei. Dei cor a uma taça com um vinho seco e nem me importei se estávamos em pleno nascer do sol. Pus-me a varanda e contemplei a solidão. Em certos tempos sentir-se só na presença do outro é mais deprimente que realmente estar sozinho. O amor acabou? Ou o encanto? Já dizia um autor querido que perder o encanto é a pior derrota. Pois perdi. Derrotei-me. Larguei-me no dia frio com seus raios de sol. Dormi amando e acordei num desencanto que nem mesmo duas xícaras de café na cama mudariam esse fosco dos meus olhos.

Bastou esse egoísmo matinal, esse desprezo em seu rosto completamente nu e toda essa sua excentricidade inata, achando que o mundo é essa bolha frágil que se vive. Não precisou muito. Levantar sem me sorrir já me foi o suficiente para tomar o travesseiro todo pra mim, me espalhar na cama como a tinta do polvo se espalha quando detecta algum perigo e fingir que toda essa crendice de amor romântico acabara ali.  Um olho aberto, outro fechado. A porta entreaberta me convidava pra um discurso mal-humorado de quem acabara de acordar num puro estresse. Mas aprendi desde criança: “Fica calada, e então, não perderás a razão”. Apenas perderei a chance de reafirmá-la. Estourei a bolha. O mundo, agora, tinha plenos poderes para nos atingir. Vai ver que a culpa foi dele.

Silenciei ao meu sonho de que, não, eu não estava em busca de uma desculpa para correr daquele apartamento, deixar tudo pra trás, tanto as roupas como você. Eu quis acreditar que a culpa era sua. Que se você tivesse colocado café em duas xícaras, as coisas talvez não tivessem o mesmo fim. Eu quis me convencer de que, na verdade, você acordou querendo por um fim numa relação que a dois não dava mais pra ser. Por orgulho – ou por maestria em se estar por cima – essa coisa toda deveria partir de mim.

Larguei a taça de vinho ao chão, fingi que eu nunca tivera uma tpm, parei bem em frente a TV. Desliguei aquela merda de canal 'desconstrutivo'. Vestia uma de suas camisas e qualquer chinelo que encontrei na casa. Olhou-me espantado. Não entendia nada. Afinal, armei a cena. Apossei-me do seu pior dia, de uma noite mal dormida, de um dia anterior estressante no trabalho e de uma discussãozinha antes de dormir. E então falei sem gaguejar, sem tripudiar, com os cabelos ainda embaraçados, mas com um ar de certeza que jamais me dominara: “O amor acabou”.

E eu dizia pra mim mesma: não foi uma xícara a menos de café, não foi um bom dia dito pra dentro, não foi o canal ridículo ligado nas alturas, tampouco os chinelos brancos, a boca muda, a cara limpa. Não foi você. Não fui eu. Não foi esse vinho seco tomado tão cedo, nem a minha tpm fora de época. Repetia a mim mesmo que nada disso tinha culpa. O universo não conspira. As estrelas não influenciam. A sorte não estava no caminho. Mas eu falava em caps lock “o encanto acabou, meu amor, o encanto acabou”.

Dani Fechine


(citação: Perder o encanto é a pior derrota - eu me chamo Antônio)

27 novembro 2013

Compartilhando amor e talento

Hoje eu vim mostrar pra vocês os Blogs, páginas e afins que costumo visitar, ler e me inspirar. São escritores fantásticos, alguns ainda em carreira construtiva e outros construídos até demais, porém, estão sempre compartilhando suas maravilhas conosco. Talvez sejam realmente os "queridinhos" do momento, mas não deixam de espalhar poesia e amor pelos quatros cantos da internet. Selecionei 4 dos quais eu mais leio e que, na minha humilde opinião de escritora amadora, são perfeitos no que fazem. Acredito que conheçam a maioria.

Em primeiríssimo lugar, e sim, esse tem ordem de importância no meu coração, é o Pedro Gabriel, autor do personagem "eu me chamo antônio". O Pedro Gabriel é o mais novo fenômeno da editora Intrínseca e acaba de lançar seu livro, onde deixou registrado e amado, seus guardanapos e sua criatividade infinda. É de se admirar muito uma pessoa com tanta alma. Posta habitualmente suas fotos no Instagram, na sua Fan Page e no Tumblr, sem falar no livro maravilhoso e um amor que já está em todas as livrarias do país (não estou fazendo merchandising, é só muita admiração guardada no coração). Ano passado fiz uma breve publicação sobre o seu trabalho, e lá você pode saber um pouco mais sobre essa expressão de amor em uma mesa de bar. (Segue o link)


Em segundo lugar, e já não estou em ordem de importância, trago o blog Entre Todas as Coisas, do Daniel Bovolento. Com uma cabeça a fervilhar ideias e um romantismo (ao menos nos textos) sem tamanho, Daniel encanta mais de 56 mil seguidores, com suas crônicas, contos e trilhas sonoras magníficas. Simpático e sempre interagindo com os leitores, o blog acabou de realizar uma seleção para colaboradores, de modo que foi exposto no site vários textos de autorias distintas, o que diversificou ainda mais o estilo e a versatilidade da página. E é claro, como uma leitora fiel do Daniel, eu deixo aqui o link do meu texto favorito dele. Chama-se: Como anda a minha vida (ordinária) sem você. É de uma sutileza, delicadeza e perfeição incrível. Ao terminar, tenho certeza, que irá se perguntar como ele conseguiu tanta veracidade. Eu chamo isso de talento. Dom. 


Em terceiro, me encanto dia e noite com o blog da Camila Paier, o Por Camila Paier. Camila, assim como eu, é uma estudante de Jornalismo que não mede esforços quando o assunto é 'relacionamento'. Fala e grita sobre tudo que sabe e pensa sobre o assunto, colocando nas entrelinhas muito amor, verdade e fatos. Como ela mesma descreve, tem opinião pra tudo e parece que entende a fundo qualquer ser humano. Conheci o blog há pouco tempo, mas já deixo aqui registrado o meu prestígio pelos seus textos e pela sua escrita. Poucos me prendem a uma sequência linear de textos, e esses, eu posso falar, não perco um sequer. 


Nesse último mês eu descobri o blog The bro code, do Ique Carvalho. Segundo o autor, ele escreve "tudo louco", e dessa forma vai jogando suas palavras num espaço em branco até que no final a gente é presenteado com uma maravilha em forma de texto. O que chama a atenção e nos prende na tela, é a forma diferenciada que Ique escreve em seu blog. Abandonando as normas justificadas e centralizadas, os textos são feitos quase que em forma de verso (ou são exatamente assim). Não cansa, não demora. Você começa e quando vê, já está se surpreendendo com o fim e querendo um novo pra não perder o ritmo. Ique é um humilde escritor e sabe (eu tenho certeza disso) que tem um talento incrível e um futuro grandioso. Essa última semana, se não estou enganada, um dos seus textos chegou a 134 mil curtidas, e eu posso dizer que, até agora, foi o melhor dele. O texto chama-se: Faça amor, não faça jogo. Vale a pena clicar e se apaixonar. 


E como um extra, eu preciso compartilhar de algumas leituras que faço semanalmente. Todos sabem que a Folha de São Paulo emprega dezenas de colunistas (e já deixo aqui o link da página dos colunistas), mas dois em particular (que, inclusive, sou fã de carteirinha) me fazem ganhar (porque ninguém perde tempo com uma maravilha dessa) tempo toda segunda-feira. Pois é. Gregório Duvivier e Tati Bernardi escrevem às segundas-feiras, sem falta. Então, todo início de semana já temos um lugar reservado para dar boas risadas, porque além de escritores fantásticos e admiráveis, esses dois conseguem colocar um humor impecável em cada linha que é escrita. Já acompanho a Tati Bernardi desde que comecei a escrever, 2010/2011, então não tem como não falar sobre essa veracidade incrível presente em seus textos. A Tati já publicou 4 livros e, inclusive, posso indicar "A menina que pensava demais", que tive a graça de ganhar de presente e guardo na minha estante como uma jóia. Embora seja pra faixa etária Juvenil, o livro encanta e colore a todas as idades. Também faz suas próprias publicações em seu Blog.  E o Gregório, todos sabem, é roteirista, criador e ator do canal Porta dos Fundos, e além de um comediante incrível, mostra-se um escritor ainda melhor. Já publicou dois livros (se não estou enganada, foram, sim, dois), elogiado por escritores muito renomados na literatura brasileira, como Millôr Fernandes (incrível, sensacional e genial) e Ferreira Gullar. Lançou o  livro "A partir de hoje eu juro que a vida vai ser agora" e há poucos dias lançou mais um, o "Ligue os pontos - poemas de amor e big bang". Como admiradora incessante dos seus escritos, deixo aqui o texto que me encanta sempre que leio. Acho incrível a capacidade singular que ele tem de expressar as suas ideias. O texto se chama: Túnel do Tempo. Vale a pena ficar ligado.

Post publicado por Dani Fechine

25 novembro 2013

"Pra sonhar"

Era domingo. O vento tinha o peso e a suavidade suficientes para não esvoaçar os penteados e para espalhar amor aos infinitos lugares daquele campo. O Sol nunca acordou tão brilhante e sorridente. Iluminava uma manhã que me parecia inesquecível, desde o momento em que ela começou a existir em pensamento. A primavera anunciava flores lindas nas copas das árvores. O colorido da manhã ficou por conta dos beija-flores e dos jasmins próximos ao lago. A grama verde me fazia lembrar a saudade que eu estava dos seus olhos fixados aos meus. Esse mundo inteiro que transbordava num olhar.

Eu não dormi. E você, sem dúvida, saberia disso. A cama de solteiro da casa dos meus pais não me fazia falta alguma. Não lembro quem inventou essa ideia de só nos vermos no altar, mas desde já, que fique claro, foi a pior ideia que já existiu. Detestei não ter seus braços enrolados nos meus e não sentir o cheiro dos seus cabelos. Meu quarto só cheirava ao Bob, aquele cachorro sarnento que minha mãe insiste em tratá-lo como um terceiro filho. Acordei. Graças a Deus. Tomei o banho mais relaxante da minha vida, numa ansiedade infinda pra te ver. Olhava-me no espelho enquanto me arrumava. O terno branco me favoreceu tanto quanto você falou que sim e, naquele momento, eu imaginei o quanto você ficaria feliz ao ajustar a minha gravata, naquela expressão de que o último toque necessariamente tem que ser seu. Eu estava prestes a subir no altar (ou o que quer que estivesse no fim do tapete). Aliás, nós estávamos.

Nunca vi lugar mais lindo. Os candeeiros que espalharam pelo campo me traziam a paz e luz precisas para dar poucos passos até você. O céu brilhava, os meus olhos brilhavam, o lago brilhava (como nunca) e meu coração explodia a cada minuto passado no relógio. Enquanto todos se acomodavam nas cadeiras brancas, com uns detalhes retrô, que você escolheu a dedo, meu irmão tentava acalmar minha ansiedade e a minha pressa em te ver caminhar para os meus braços.

Chegou o momento. E você não seria aquelas noivas atrasadas. Porque além de quebrar protocolos, exatidões e costumes populares (nada convencionais), você não atrasaria nosso momento de ser feliz. Pra sempre. Quando o Sol se posicionou na minha margem, você chegou com rendas cobrindo seus ombros, com uma tiara de flores bem simples no cabelo e, principalmente, com esse sorriso de rasgar um coração. O meu. Você veio devagar, sem salto, com os cabelos soltos mais loiros que o Sol, levitando sobre as pétalas de rosa que decoravam o caminho até mim. Eu quis ir te encontrar. Quis andar em sua direção e te carregar o mais depressa possível para o altar de madeira antiga acolchoado de tecido branco. Eu quis gritar “sim” antes do padre perguntar e quase tirei as alianças do bolso antes da cerimônia começar. Você trouxe, com esse encanto que não cessa, uma necessidade ansiosa em me ligar de uma vez por todas a você. E eu quase agradeci a presença dos convidados antes da hora, quase te beijei antes da permissão santa e por muito pouco eu não te levo pra casa antes da benção final.

Ajoelhamo-nos. Demos as mãos sem querer desgrudá-las jamais. Você me olhou com olhos-de-satisfação e me sorriu com sorriso-de-amor. Eu te retribuí com um sorriso branco pra te iluminar ainda mais. Em alguns minutos, com o vento soprando o seu rosto suavemente, a copa das árvores derrubando jasmins sobre nós e o Sol se despedindo e sendo testemunha dessa felicidade, você se tornou uma mulher casada com um homem até então um pouco desencontrado, mas que agora não se perde nunca mais. Você saiu de casa com os olhos pintados e marcados por rímel, com esse rosa suave em sua boca e um buquê pronto pra fazer mais uma noivinha feliz. Você deixou a casa da sua mãe ainda enrolada com um cara que remenda os óculos para não se desfazer deles, que compra livros como quem compra pão e que te ama mais do que tudo nessa vida, para se tornar esposa desse mesmo maluco, galanteador e estranhamente terno, ainda que completamente apaixonado pela melhor esposa do mundo.

- Hoje começa a nossa vida. Regada a carinho, companheirismo e amor. Eu passei sozinho por esse tapete de pétalas, mas faço questão de deixá-lo com as mãos grudadas nas suas, confirmando o que tenho dito: eu entrei como um só e agora saio sendo dois em um.

Dani Fechine

22 novembro 2013

7 maneiras de/para dizer eu te amo

“Eu te amo desse tantão assim.” Exclamou João, com um sorriso gigante no rosto e os braços abertos querendo abraçar o mundo inteiro com suas mãos pequeninas e cheinhas. Com suas maçãs do rosto coradas  e aquele brilho nos olhos que toda criança tem na inocência dos primeiros passos. Foi assim que ele conseguiu expressar todo o carinho e toda a proteção que sente quando se encontra no colo da mãe. Sua casa acolchoada, rendada, com perfume de rosas e um amor incomparável exalando por todos os cômodos. Quando encosta seu rosto no ombro dela. Quando agarra suas pernas fazendo birra de saudade antecipada. Quando alisa seu cabelo, emaranhando suas pequenas mãos nos pretos longos.  

"Saiu do colégio em disparado. Parecia que o mundo inteiro havia desmoronado de repente em sua cabeça. Foi só um “eu te amo” dito na hora errada ou simplesmente à pessoa errada. Uma declaração de adolescente num pátio repleto de alunos fardados, conversando, gritando, berrando aos quatros cantos. 13 anos. E parecia que uma vida de vergonha viria pela frente. “Pedro, eu estou apaixonada por você. Encontre-me no parquinho na hora do intervalo, por favor.” É verdade que um bilhete não é nada convincente. Mas foi a forma que Rita encontrou para explodir um amor que acabava de nascer. Rasteiro, inibido e desconcertante. Morreu de vergonha no parquinho, mas nunca se esqueceu do beijo na bochecha que recebeu. "

“Não dá pra ser feliz longe de você. Não dá pra dobrar a esquina e saber que essa é a última vez que vou olhar pra traz e te procurar acenando do portão. Não dá pra deitar a cabeça no travesseiro e não pensar em você. Não dá pra mudar o rumo das ideias. Dos sentimentos. Dos desejos. Das paixões. Sem você não dá pra acordar feliz. Não dá pra sorrir à toa. É impossível ser feliz sozinho (sem você). O dia amanhã vai amanhecer nublado. E o meu coração já está. Não dá pra acordar sem te amar. Eu te amarei ao dormir e quando abrir os olhos ainda vou te amar.” 

“Você é a paz em pleno meio dia, num trânsito estressante de São Paulo. Eu sou louco por você. 

“Eu te amo. E não falo porque hoje completamos alguns anos de casado. Não falo porque nós temos uma filha linda pra chamar de Helena. Não é porque o dia amanheceu mais bonito, mais sorridente. Muito menos porque é o nosso dia. Eu te amo porque quando você pisca os olhos eu quero viajar nesse mundo de turmalinas. Pelo simples fato de te ver acordando com esse sorriso matinal de quem vai ter o melhor dia do ano (mesmo sendo o pior). Eu te amo, meu bem, porque nada nesse mundo é tão lindo quanto mirar os seus trejeitos de longe e dizer a mim mesmo: estou vivendo com a mulher mais linda do mundo. Eu te amo por você conseguir me amar. Eu te amo e amo envelhecer ao seu lado. 

“Eu odeio você. Odeio esse seu sorriso torto de quem quer impressionar e não sabe como. Odeio esse seu olhar que desvia do meu. Odeio esse seu abraço de urso e essa sensação (perigosa) de proteção que você passa com ele. Odeio também os seus cabelos, o seu andar, a sua fala, a sua voz, a sua nuca, a sua mão pegando na minha, o seu jeito ameaçador a cada 10 segundos de intervalo ao estalar os dedos. Odeio sua camisa vintage, seu chapéu de malandro, seu mocassim azul navy, e o conjunto completo. Odeio odiar você.” 

“Há mil maneiras ridículas de dizer o que você precisa saber. Mas na verdade mesmo, o que todo mundo quer é sentir. Sentir a sinceridade, a gratidão, o apreço, a paz, o carinho, a amizade, o companheirismo, a união, a vontade, o desejo. Todo mundo, no fundo do coração, precisa mesmo é sentir amor. E não há que ser declarado, publicado, escancarado. Há de ser verdadeiro. Com todo clichê e franqueza que há nesse mundo: Eu sinto amor por você. Eu te amo.” 

Dani Fechine

04 novembro 2013

Carta de (des)culpa

"Pegue tudo que deixei no seu sofá cinzento, na sua cama desforrada, no guarda-roupa bagunçado e na sua vida desvairada. Beba aquele vinho seco que me faz lembrar você, naquelas taças que eram da minha avó e que talvez eu as ame mais do que qualquer outra coisa. Pode fazer isso sentado e na companhia de quem quiser. Mas não a coloque naquela poltrona que eu repaginei pra você. Levante dessa sua vida sem rumo, desamassa essa cara, cria uma história e, por favor, se cria novamente.

Deixei alguns dos meus cadernos na prateleira do quarto. Os pretos são os mais pessoais. Talvez você se encontre em algumas páginas, se tiver, ao menos, a curiosidade de lê-los. Talvez você queira bater na minha porta, me pedindo pra voltar, me implorando um amor que nunca te faltou, mas que você nunca se agarrou a ele. Se você abrir na página 18 do caderno marrom, verás que para tudo que aconteceu, houve uma explicação. E se folhear um pouco mais deixará cair algumas lágrimas. Mas, por favor, cuidado para não borrar a tinta preta da caneta que você me deu quando voltou daquela viagem sem fim pro outro lado do mundo.

Na página 20 eu quase te contei. Por questão de algumas linhas, alguns desvios de atenção e por muito amor, eu não saí correndo pelas ruas frias dessa cidade deprimente (sem você) pra te abraçar e, ao menos, te dizer um "até logo", "a gente se vê na próxima nuvem, na próxima estrela cadente" ou até "eu te amo". Eu quase mudei a minha vida e essa carta, quando escrevi a página 20. Mas quando passei a folha, os olhos já lacrimejavam à beça e sair sozinha com os olhos embaçados não me fariam chegar até você. Foi essa a desculpa que eu me dei pra continuar trancada dentro do sótão da casa dos meus pais. Eu criei desculpas o dia inteiro pra não pegar o meu casaco e ir em busca do seu sorriso, desse seu olhar que talvez me trouxesse de volta à vida. Fui mais forte que a minha insanidade e fechei o caderno. Virei para o lado e caí num sono profundo e só acordei no dia de dormir de novo. 

Já chegou na página 29? Desculpe-me. Eu não gostaria que fosse assim tão surpreendente, rápido, minucioso e desgastante. Espero que você esteja em boa companhia ou ao menos agarrado naquela almofada que compramos juntos – deixei, propositadamente, meu cheiro nela. Infelizmente, descobri muito tarde, e não poderia te deixar adoecer junto comigo. Seria egoísmo te fazer morrer aos poucos, só porque os meus dias estariam contados. Foi melhor sair assim, desavisada, despreparada, tentando deixar um ar raiva e desprezo dentro dessa casa. Da nossa casa.

Não culpe os outros por não te contarem. Acredite, nem quem te entregou esta carta sabia o que me rondava. Entrei em estado terminal muito antes do que eu imaginava. O que me preocupava era você e não eu. Desculpa se fiz vir à tona a raiva, o rancor, e agora a mágoa. Estou te escrevendo porque sei que lerá exatamente quando receber. Você não aguentaria não ter notícias minhas. Se é que um segredo é guardado mesmo, você foi o melhor deles.

Agora pegue aquela fotografia que tiramos no verão passado e que coloquei naquele quadro velho depois de umas boas mãos de tinta. Coloque os olhos em mim: esta é a última vez que me verás. Estou partindo. E onde eu estiver, estarei com saudades."

Dani Fechine

31 outubro 2013

Você e(m) um bar

Você entrou naquele bar querendo correr de volta pra rua. Seu olhar meio indeciso em se esconder ou me procurar denunciava toda sua insatisfação em ter que me acompanhar em alguns drinks. Eu te esperei a noite inteira, e não perderia o momento exato de te ver pisar no assoalho já meio riscado do mesmo bar que a gente se conheceu. Você quis pegar o táxi de volta pra qualquer lugar do mundo quando nossa música tocou. Enquanto pra mim o melhor lugar do mundo estava entrando por aquela porta. Eu te procurei em alguns copos vazios e não te encontrei pra te tirar pra dançar. Você não estava ali. Estava em algum ambiente que não tivesse mesas e cadeiras acompanhadas de um balde de cerveja gelada e uma mulher te esperando pra ser feliz.

Você chegou, eu te chamei. Não deu tempo você pensar em dar meia volta e se arrepender no instante em que os sinos da porta tocaram. Fui até você. Convidei-te pra sentar. “Eu não posso demorar”. Foram as palavras mentirosas de alguém que quer, nesse exato momento, receber alguma ligação de emergência. “Você nunca demora.” Foi a minha resposta para as palavras saltitantes e gritantes de um homem que não consegue amar alguém que o ame também. Enquanto você me olhava com olhos de indiferença, eu quis te odiar para o resto da vida, da mesma forma que te odiei quando você bateu a porta da minha casa dizendo que nunca mais queria me ver. E voltou correndo enquanto eu te esperava sentada na mesa da cozinha, pronta para tomar de uma só vez a garrafa de vinho seco. Eu quis te odiar durante cada segundo do meu dia, quando você pediu, com cara de não-quero-estar-aqui, pra eu apressar a minha fala. Talvez seus tímpanos estourariam, sufocados por palavras sinceras. Você nunca as deve ter ouvido.

Não te falo nada. Nego qualquer esboço de tristeza. Sorrio e aproveito a sensação incontestável e indescritivelmente prazerosa de te ter ao meu lado. Eu passaria a vida inteira ao seu lado, ouvindo seu silêncio. Não ameaço sequer perguntar se está bem. Ofereço um gole, apenas erguendo um pouco a mão. Você vira a cabeça algumas vezes esperando encontrar algum conhecido que te livre desse martírio de me ter ao lado. Passam-se minutos, drinks de todas as cores, mais uma garrafa de água com gás, umas poucas palavras corriqueiras e uns três sorrisos falsos.

E então você se levanta e repete: “Não posso demorar.” Dá um último gole na sua água com gás, beija-me a cabeça e a mão, de modo que você demora um pouco pra soltá-la. Até que a distância já não te permite segurá-la. Tchau (com uma entonação de alívio). Tchau (com a voz quase desfalecendo). Antes de chegar à porta você para, me olha com olhos-de-adeus e fala baixinho, esperando que eu faça uma leitura labial, mesmo sabendo que nunca fui boa nisso: s-e c-u-i-d-a. E eu quis gritar: “Me cuida, meu bem. Leva-me contigo, seja pra tua casa, seja pra um outro bar. Convida-me pra dançar. Pra sentar ao teu lado. Pra dormir na tua casa. No teu sofá. Na tua cama. Liga-me no meio do dia, diz que está com saudades e que precisa me ver. Corre até o meu trabalho, me pede pra largar tudo, porque está com desejo do meu abraço, do meu perfume. Esquece essa de que amar é muito responsável, e entra comigo nessa irresponsabilidade mesmo. A gente se desorganiza devagar e vai dando certo. Volta e senta aqui nessa cadeira. Pede mais uma água. Ou um drink cubano. Mas não me vira as costas. Não bate a porta. Não pede o táxi. Pede a minha companhia. Levo-te pra casa. De ônibus espacial, de avião, carroça, balão, voando, nadando, como quiser. Levo-te embora pra qualquer lugar que esteja perto do meu coração. Mas não pede pra eu me cuidar. Não me liga um mês depois pra saber como eu estou. Não aparece de surpresa no meu portão dizendo que passou na rua e lembrou de mim. Não vai, meu bem. Se você der o próximo passo, eu dou o primeiro gole. E a gente se entende pro resto da vida. Você no Alasca, eu na Austrália. Você dormindo, eu acordando. E a gente vai se entendendo meio distante, porque entendimento nunca deu certo pro nosso amor. Me cuida, amor, me cuida e se desentende comigo. Assim a gente vai bem.

Mas não gritei. Acenei com um sorriso amarelo, uma lágrima de pedra esperando pra cair, e mais um drink fajuto na mão direita. A porta bateu. Os sinos tocaram novamente. E a garçonete perguntou: “Então, é só você?” E eu respondi: “Sempre”.

Dani Fechine



27 outubro 2013

De tudo ao meu amor serei 'lamento'

Sentarei na beira da cama para calçar meus sapatos. Farei as malas delicadamente, sem pressa, para nada esquecer. Pentearei os cabelos pela última vez nessa penteadeira enferrujada, que recebi promessas de pintura durante os 3 anos. Não ligo para o que ficar. Faça bom proveito dos móveis e desses cômodos com cheiro de saudade. Quero apenas os meus chinelos, a garrafa de vinho que comprei semana passada e a escrivaninha, que depois de sete meses, consegui colocar no seu escritório intocável. Quanto aos livros, são todos meus. Cada página amarela, cada dedicatória. Estou saindo de mente vazia e coração aberto.

Não te esperarei chegar. Você não vai chegar. E eu demoro muito a acreditar. Odeio despedidas. Lamentos. E homens derramando lágrimas, verossímeis ou não. Saio na ponta dos pés para não deixar rastros. A chave está em cima da mesinha da sala, perto do arranjo que ganhamos dos meus pais no Natal passado. Só que sem o arranjo. Estou empacotando-o também. Sem a chave. E sem esse aviso.

Minto, amor. Saio de coração na mão. Peito sangrando. Sem ar. Sem fome. Sem vontade. Sem coragem. Com saudade. Com dor. Com uma vontade incessante de te encontrar, seja onde for. Saio porque seu cheiro ficou. Suas gravatas. Camisas. Sapatos. Até seus óculos ficaram. Esses levarei, talvez sejam-me úteis. Saio porque a xícara de café ainda está na cozinha. Suja. O iogurte foi aberto e ninguém tomou. O bolo foi deixado pela metade. E o almoço, nem comecei. Você não ficou pra almoçar. E não te verei no jantar. Saio de mente cheia, atordoada. Esquece os passos de bailarina. Saio correndo. Batendo a porta. Abrindo a garrafa de vinho dentro do elevador. Ofereço ao moço de bigode que dirige o táxi, mas ele não aceita. Me olha com cara de reprovação. Senti na pele a dor de uma loucura. Estou saindo de corpo e alma. De meia calça preta. Vestido preto. Sapatos pretos. Pintei até os cabelos.

Estou saindo de costas para não te ver em todos os lugares. Se pudesse, vendava-me. Os olhos estão pesados de maquiagem preta, muito rímel, muita tinta, muito carmin. Porque pior do que fazer uma mulher chorar, é deixá-la borrar a maquiagem por isso. Saio com o cheiro das suas roupas ainda nas minhas. Isso eu não consegui deixar. Não consegui deixar também o carinho. O beijo na testa. O abraço apertado. O 'bom dia' mal-humorado. As surpresas ao meio-dia. O jantar à luz de velas. O cartão de Natal. As bodas de papel. Não consegui deixar a marca do beijo. O toque das mãos. O alisar nos cabelos. O filme a dois. O medo protegido. A bagunça organizada. E o coração partido. Levo comigo apenas a certeza de te ter pra sempre.

Saio correndo. Batendo os pés. Fazendo birra. Não quero te ver no corredor ou correndo pra pegar o elevador. Isso não vai acontecer. Mas parece que dobrarei a esquina e te verei chegando com alguns doces comprados na confeitaria do bairro vizinho. Corro pra não dar satisfações ao seu Zé. Pra não te ouvir pedindo pra bater a porta ao sair. Estou saindo, meu bem. Estou saindo porque as fotos já me doem muito. O sofá tem dois lugares e eu sou só uma. As cervejas, sempre aos pares. As almofadas, com seu cheiro. O tapete, com seus chinelos. E o Fred, nosso cachorro-gente, está com uma depressão filha da mãe porque você não o levou pra passear na noite passada. Ele sente sua falta. E eu não consigo cobri-la. Saio pra te encontrar na copa das árvores. Nas estrelas do céu. Na Lua cheia. No balançar da flores. Nas folhas secas ao chão. No bom dia do padeiro. No moço simpático do trem. Saio pra te encontrar, em qualquer lugar que seja, mas que não seja na nossa casa. No nosso mundo. Na nossa vida. Essa lembrança ordinária de te ver em todos os lugares. Deitado na cama. Bagunçando o cabelo. Saindo apressado. E voltando numa pressa ainda maior e inadmissível, porque, afinal, esqueceu as chaves. E esqueceu de mim também. Esqueceu de me guardar numa gaveta. Num guarda-roupa. Ou de levar-me com você. Você esqueceu, meu bem, que amor não se morre. Que o corpo da gente vira cinza, enquanto o coração vira dor. Que a gente chora, enquanto o amor se exalta. Você esqueceu, com toda essa memória infinda, que a gente ainda não teve um casal de dálmatas pra cuidar. Ou bebês. Que seja. Você se foi antes dos 30. Ninguém se vai antes dos 30. Que injusto, que desumano. Estou batendo a porta, amor, mas você vem comigo. Estou saindo. Mas deixo a escova de dente, o travesseiro e o coração.

Dani Fechine

21 outubro 2013

Tão exato como 1+1 = 1

"Olha, moço, eu estou aqui na tua casa mas resolvi ainda não tocar a campainha. O tempo ta fechado, o vento ta frio e eu esqueci o casaco, porque a pressa em te ver já estava grande demais. Eu não sei como cheguei até aqui. Fui andando. E como num livro que eu li posso te dizer que "tenho dirigido em direção a você o tempo todo, querendo apenas um coisa: nosso reencontro". Só que estou a pé. Calço o tênis branco meio sujo, meio gasto que você gosta. Até o momento já ergui a mão duas vezes em uma simples tentativa de bater na tua porta. Já abri a boca umas cinco pra gritar seu some ou até um 'sou eu', mas nenhuma palavra foi dita. Não consigo. Já passaram duas senhoras apressadas pra não pegar a chuva, agarradas em seus cachecóis. O vizinho da frente já acendeu a luz da varanda umas duas vezes, no mínimo, e ficou me olhando pela janela como se eu fosse uma estranha esperando o momento certo para invadir a casa de um homem que é ridiculamente apaixonante e permanece estupidamente sóbrio para entender qualquer coisa que envolva 'amor' e 'nós dois'.

Eu não sei se você está aí dentro. Ouço, lá no fundo, aquela sua música favorita tocar, mas como ela é trilha sonora da sua casa, da sua vida, fico na dúvida se sua presença está ausente ou não. Parece-me ridículo te visitar sem data e hora marcada, numa terça-feira a noite prestes a cair uma tempestade. Pergunte-me como voltarei pra casa e não saberei responder porque isso é o que menos me importa agora. Dizer que eu te amo ainda é o maior desafio do dia de hoje. Desisti realmente de olhar no seu olho. Esse seu olhar de não-quero-entender-nada-disso-porque-é-mais-fácil me faz querer sentar no primeiro degrau da sua varanda e escrever-te o que minha boca deveria falar-te.

Então, Dex. Como vai? Eu poderia começar com 'eu' e terminar com 'amo', mas não quero ir direto ao assunto, então não vou começar por aí. Eu imagino a sua cara de não-quero-ler-isso ao pegar o envelope que passei por debaixo da porta. Vejo seu desinteresse de longe. Daqui de fora. Mas por favor, se já chegou até aqui, continue. Se não rasgou, já é um bom começo.

Você pode ser bem melhor do que já é. Esse seu jeito desconectado de mim não faz bem. Pra mim e pra você. Eu poderia no momento estar em casa ou em alguma festa indie, com alguns amigos ou simplesmente com algum amigo. Mas vim bater na sua porta. E você deve estar se perguntando porque. Eu vim aqui esperando não te ver sorrir. Com esse puxar de olhos e esses dentes brancos que brilham em sua boca, as coisas ficariam bem mais difíceis. Você não me chama nenhum pouco a atenção, Dex. Mas sua voz já me deixa impossibilitada de qualquer reação normal. Não é justo você causar espasmos nas pessoas sem ao menos ter a intenção de amá-las por no mínimo um mês. Afinal, não é justo amá-las por um mês.

Eu faço uma promessa todas as noites e a quebro pela manhã. "Não o procure". E acordo esperando um bip seu no celular. Você me faz quebrar promessas. Caia na real, Dex. Você também tem quebrado a sua maior promessa: ser feliz. E eu não posso reatá-la. Não até você querer. Dia desses, nessas terças-feiras ociosas, você passou por mim numa pressa quase impossível de te ver. Você parecia correr em busca de algo muito bom, embora seu rosto não fosse o mais feliz que eu já avistei. Mas você passou por mim e nem notou meu cheiro, não reparou no vermelho dos meus cabelos nem no tênis branco que eu achei que gostasse. Você não estava com pressa de mim. Nem de felicidade. Porque você dobrou a esquina e me deixou sentada na cafeteria ao lado. Assim como eu, você dirige em busca de alguma coisa que nem você mesmo sabe o que. Estaciona, vai. Estaciona e desce desse carro. Toma um ar, aspira coisas boas. Vai a pé também. Quem sabe a gente não se encontra no meio da estrada. Numa curva qualquer. Num cruzamento. Quem sabe.

Se meu coração palpita. Se minha barriga dá sinal de existência. Se minhas pernas tremem. Se as lágrimas escorrem. Se o sorriso é instantâneo. E se? Eu ainda nem sei a junção dessas loucuras. Essas exatidões não batem. Elas correm, se escondem. Mas não fecham como uma conta de mais. Estou tentando explicar algo que por mais clichê que pareça, não há explicação. Descrição. Adjetivação. Não há sinônimos, pronomes, substantivos nem vírgulas. O que quero te dizer, Dex, é tão exato quanto a sua pressa em passar por mim, quanto a minha lentidão em ficar. Sabe o que mais, Dex?"

E então, num súbito olhar para trás, observo lentamente você abrir a porta, fechá-la com delicadeza, sentar-se ao meu lado e me oferecer não só um casaco mas também uma xícara de chocolate quente, acrescentando com um sorriso completamente insinuoso e querendo concordar com cada linha que eu havia escrito (mesmo sem nada ter lido):
- Não sei quanto tempo passará aqui, sentada, então resolvi te trazer algumas coisas que te façam demorar mais um pouco. - Eu poderia sequer piscar os olhos. Mas em um só lance, fechei meu bloco de anotações, e soltei em uma frase tudo que tentei escrever até agora:
- Esta noite eu estou querendo dizer que eu te amo. O que você acha?
- Que lá dentro está bem mais quente. E que eu esperei até este momento pra dizer: "Eu também amo você."

Dani Fechine

17 outubro 2013

Sensibilidade a qualquer não

Sensibilidade cansa. Cansa a cabeça, os olhos. Seca-te as lágrimas. Esgota-te a dor. Enche-te de saudade, de vontade de amor, de vontade de carinho. Enche-te de solidão. Pede abraço, cafuné, “tudo vai ficar bem”, “não fica assim”, “estou com você”. Desespera-se em busca de um colo, faz um melodrama incrível e no final te joga num quarto escuro, numa cama ainda desarrumada para encharcar o travesseiro novo. Sensibilidade embrulha-te o estômago. Palavras pulam da boca como se você tivesse exagerado nos drinks; revela coisas que, sóbria de emotividade, jamais revelaria. Perde a fome, a sede e o calor. Faz frio agora. Seu cabelo ta molhado, sua roupa está longa e velha – e aconchegante – e tudo que você pede é um pouco de chuva, um chocolate quente, um livro repetido, uma carta antiga. Tudo que você pede é que alguém note essa sua trama dramática e te leve pra casa. Que te retire dessa rua fria, transforme sua terça-feira nebulosa numa sexta-feira a noite. Você precisa de alguém com tempo. Com vontade. Com coragem de ter você ao lado. 

Sensibilidade te enoja. Ardem os olhos, molha o rosto e você sente o sabor salgado de uma lágrima descendo como cachoeira. Qualquer “tchau” é motivo pra baixar a cabeça e puxar um lenço. Se despedida sempre te acabou, é dessa vez que ela te mata. O passado volta em questão de segundos. Vai até o espelho e “que situação deplorável”. Deprimente. Enche a taça de vinho. Desce rasgando. Você não come nada. Só bebe. E bebe o que tiver. Bebe água, ardente ou não, suco sem açúcar, vodka pura, conhaque e por último um café bem quente e forte pra voltar à vida. Pratos limpos, copos sujos, e uma vida inteira precisando ser lavada. 

Sensibilidade te deixa um lixo – reciclável. Incha-te o rosto, os olhos. Qualquer atenção não dada é uma nova paranoia. Qualquer “adeus” é um “eu não te amo mais”.  E qualquer texto é um novo fundo de poço pra se conhecer. Enche-te de sono. Mas dormir te dará dores de cabeça terríveis e o dia está só começando, você não quer que piore. Tenta escrever. Escrever para não implodir. Para esvair. Nada de interessante, nada de construtivo, nada que alguém, além de você, iria gostar de ler. Desapega do Word. Um filme talvez solucione. Liga a TV. Todos os filmes com contraindicações: se for sensível, não assista. Então você se afunda novamente no sofá. Pernas pra cima. Celular na mão. Nenhum torpedo, nenhuma ligação perdida. A única perdida é você. 

Sensibilidade é fundo de poço. É como assistir Zorra Total num sábado à noite, ou parar para ver o Domingão do Faustão. Sensibilidade é menos que o lixo que você coloca na rua todos os dias, é menos que o papel rabiscado que você joga no chão, é menos que você que tá lavando o chão com o reservatório esgotável de lágrimas. Foge. Foge dessa vida de eu-não-aguento-mais-essa-saudade. Procura um esconderijo. Abriga-se, protege-se. Sensibilidade, emotividade é o câncer da razão. Esfria-se. Congela-se. E não liga pros boatos, pras fofocas. Quem mais importa nesse mundo é você mesmo. Controle-se. Reaja. Levanta do sofá. Larga a panela de brigadeiro. Tira a calça moletom. Lava o rosto, passa um pó, um rímel e um batom escandalosamente vermelho. Põe aquele short jeans meio rasgado, meio retro, meio vintage. Se joga na camiseta branca e no tênis bordô. Vai ser feliz, garota, e não volta não. 

Dani Fechine

13 outubro 2013

Ruby Sparks versão masculina

Chamarei-o de Dylan. Paciente, calmo, atencioso e apaixonadamente magro, Dylan é um literato tão amador quanto eu. Ouve histórias aqui e alí de pessoas que nem sabe o nome, mas tem certeza que dariam um bom livro. De poucos amigos, ele prefere o sofá de casa, um bloco de notas ou um seriado interessante para um sábado a noite. As vezes inova indo em um "café" mais próximo e come uma fatia da sua torta favorita, sempre com alguma companhia agradável. Ama filmes. E cinema. Acha fantástico a poesia que existe nas músicas e dorme ouvindo Something, dos Beatles. Apaixonado por abraços, Dylan nunca perde a oportunidade de torná-los inesquecíveis. E únicos. Mas espera, todas as vezes que o faz, sentir a mesma sensação protetora e inacabável.

Livros nunca são demais. Há sempre uma prateleira esperando para ser usada. Não se importa com o que falam dele, afinal, sempre haverá um comentário pretensioso esperando-o. Continua usando os óculos de armação preta e apenas um pouco diferentes dos que usava na infância. Camisas lisas, de cores únicas, tênis sempre tão apaixonantes quanto ele. Seus chinelos brancos também encantam quando os combinam com aquela manga longa preta. Sua mente não para. Dylan é um amante da literatura e anda sempre comparando pessoas a personagens. É fantástica essa memória que ele tem de saber, minunciosamente, todas as características introspectivas de cada protagonista. Coloco-o como um Romeu não encantado. 

Um drink sempre lhe cai bem nas sextas-feiras. Ou até numa terça-feira entediada. Seu senso de humor é impecável. Não se trata de um palhaço fugitivo de um circo, nem um comediante de stand-up, mas me parece suficientemente engraçado para quebrar qualquer monotonia. Dylan é criativo. Com tudo. Gosta de animais, - embora isso não me venha ao caso - especialmente cães dóceis, grandes e bonitos. Sabe cozinhar. Mas só se arrisca nos pratos diferentes. Nada de arroz, feijão, bife e batata frita. Opta pelo molho branco italiano com um toque só seu e um vinho seco pra acompanhar. De sobremesa: café. 

Dylan descomplica o mundo. Consegue expressar em poucas palavras o que em texto muitas vezes não se consegue; descomplica o que a gente supercomplica. Antes de esquentar a sua cabeça com problemas solucionáveis, pega os impossíveis e transforma em tramas para futuros textos ou livros. "Tudo se resolve. Sempre se resolve." É surpreendente a sua leveza ao dedilhar as cordas do violão, sua paixão pela música e seu refinamento nos gostos. 'Tira' qualquer melodia e transforma tudo em uma bela canção. 

Dylan é extremamente inteligente. Aprendeu com a vida e com dedicação. Como dito antes, seu forte é a literatura, mas sabe um pouco de tudo. Fascinado pela história do Brasil, ele sempre tem um pouco a ensinar e a recordar. Não sabe tudo. Nem acha que sabe. É honesto, gentil, humilde e discreto, sempre disposto a aprender e a errar. É carinhoso e curioso. E nunca deixa uma surpresa passar despercebida, se estiver ao seu alcance. Um SMS de madrugada, um alô na fila do banco, um livro sem pretensão ou um "vim te dar um abraço pra melhorar nosso dia". 

Tem estilo. E mesmo que não tivesse, ele faria o seu próprio. Dylan se traduz no amor. Tem suas manias, porque se não tivesse não seria tão apaixonante. No sol forte, ao invés de fechar um pouco os olhos, levanta uma sobrancelha. E fica lindo. Milimetricamente perfeccionista, detalhista e organizado na sua própria bagunça. "- Eu sou uma bagunça. - Eu adoro a sua bagunça."  Livros sempre no lugar, organizados por uma ordem de preferência. 

E embora este pareça um texto (ou um homem) tão individualista, Dylan é apaixonado pelas pessoas. Ele ama intensamente e com todo seu coração. Por isso sofre muito e escreve muito. Suas desilusões acabam rendendo bons textos. Mas Dylan tem sua Ruby Sparks. Real. E eu termino dizendo que não sei quem tem mais sorte: Dylan por fazer alguém feliz, ou Ruby que o tem como fonte de alegria. 

Dani Fechine

11 outubro 2013

Achados: Livro publicado nas ruas do RJ

Janaína Michalski resolveu diversificar e ousar na publicação de seu livro "Não duvide: é amor". De forma diferente e encantadora, por uma influência do Facebook, a autora espalhou seu "livro" pela cidade do Rio de Janeiro, levando um amor acessível a todos.


Não duvide: É amor
















08 outubro 2013

"Os olhos mentem dia e noite a dor da gente"

Dias como esse merecem textos de homenagem, de agradecimento e de paz. Merecem um abraço apertado, um beijo estalado no rosto e um desejo de vida longa, de vida eterna se puder. Mas escrever sobre a saudade não é tão fácil assim. Um dia de "parabéns" de repente torna-se um dia de tristeza, de lembrança e de lágrimas escorrendo pelo rosto. Hoje não vai ter o bolo com salgados do dia 8 de outubro e domingo não vai acontecer um almoço em família. Mas olha, olha que incrível, hoje é primavera, as flores sorriem em todos os lugares, o céu acordou azul turquesa como nunca e o sol brilha nos chamando pra sorrir. Tudo ficará bem, embora saudade não tenha cura. Não tem remédio. Todo dia nosso coração se aperta, todo dia é uma lembrança do que foi vivido ontem.

Todo dia eu espero no portão aquela frase de cuidado: "Vá com Deus, e pelo canto do muro." Todo dia eu espero você dormir na hora da novela e acordar perguntando o que aconteceu. Eu passo a tarde querendo que você acorde e sente-se comigo pra comer um lanche, pra falar da vida alheia, pra sentir o vento bater no nosso rosto sentadas no sofá da sala. Eu me arrumo pra sair a noite e fico sentada na cadeira da mesa de jantar, esperando olhar pro lado e te ver sentada na poltrona me dizendo que estou linda e que com certeza hoje eu encontro um namorado. E no outro dia eu acordo sem ouvir alguém dizer: "Eu nem ouvi quando essa menina chegou."


Saudade não é dor. É aperto. É falta. Ausência. Carinho adormecido. É uma lembrança boa de um tempo que a gente nunca espera que acabe. De alguém que a gente nunca espera que se vá. De um abraço que a gente deseja todos os dias. Sabe, saudade é acordar e não saber por quê. É dormir e não saber pra que. É andar sem saber pra onde. Correr e não saber parar. Saudade é cantar e não ter voz. É chorar e não cair lágrimas. É sorrir e não mostrar os dentes. É cair e não se levantar. Saudade é morrer e continuar vivendo. É sentir o coração menor a cada dia. É andar calçado e sentir o chão quente. É viver de amor e continuar morrendo. 


Em datas como a de hoje, simplesmente não basta estar feliz - e ser feliz é absolutamente difícil. Mas é preciso agradecer, seja lá a quem for. Agradecer a presença insubstituível que esse alguém tornou na sua vida, agradecer o carinho que foi dado, o amor recebido, as lágrimas trocadas, as risadas compartilhadas, os brindes realizados e toda a paz, tranquilidade e harmonia que trouxe pra você. Não é porque as pessoas viram estrelas no céu - e essa é a melhor forma de acreditar - que elas não estão mais conosco. A presença é forte. E é por isso, é por sentir uma proximidade tão absurda que a saudade acaba doendo um pouco. Dói um pouco todo dia. Dói no coração e dói na alma. Dói o corpo inteiro, a cabeça, as mãos. Dói porque a saudade não avisa quando vai chegar. Não manda um telegrama, uma carta ou um SMS. Ela chega, não bate na porta, não tira os sapatos, coloca os pés no sofá e nem sequer pergunta se pode ficar pro almoço. Quando vê já está com garfo e faca nas mãos.

A saudade vem e escancara tua vida. Muda teu instinto, tua solidão, tua sensibilidade, teu aroma. Vira-te ao avesso e não te ensina a voltar ao normal. Saudade muda tua vida e não espera que você se adapte. Pode parecer fácil conviver com um sentimento de carinho e de memória, mas a consequência desse amor é a dor. Uma dor que começa no átrio direito e percorre todas as veias e artérias, e quando não cabe mais, o coração explode. E então a saudade escorre pelos olhos. O coração explode todo dia. E se deixo bem explicado ou não, fica aqui a minha lágrima de saudade e o meu eterno amor por quem ajudou a me criar. Mas ela era um anjo. E os anjos não pertencem a Terra. Feliz Aniversário!


Dani Fechine

05 outubro 2013

Achados: "Namora uma mulher que lê"

"Namora uma mulher que lê. Namora uma mulher que gaste o dinheiro dela mais em livros do que em roupas. Ok, ela se perde um pouco na arrumação da casa, mas é porque tem livros demais. Namora uma moça que tenha uma lista de livros pra ler, que tenha uma carteirinha da biblioteca desde a primeira infância.



Encontra uma mulher que lê. Vais saber que é ela, porque anda sempre com um livro dentro da bolsa. É aquela que percorre amorosamente as estantes da livraria, aquela que dá um gritinho surdo ao encontrar o livro procurado. Vês aquela moça com ar estranho, cheirando as páginas de um livro velho, numa loja de livros de segunda mão? É a leitora. Para ela, o cheiro das páginas, sobretudo quando ficam amarelas, é perfume!




Ela é a garota que lê enquanto espera no café ao fundo da rua. Se espreitares a xícara, percebes que o calor já se foi, perdidos, os dois, ela e o café, em um mundo feito pelo autor. Senta. Admira-a de relance, porque a maior parte das mulheres que lêem não gostam de ser interrompidas. Oferece-lhe outra xícara de café.




Diz-lhe o que realmente pensas do Murakami. Descobre se ela foi além do primeiro capítulo da Irmandade. Pergunta-lhe se gosta de Clarice. Ou se gostaria de ser Alice.




É fácil namorar uma moça que lê. No seu aniversário, no Natal e em datas especiais, dê-lhe livros. Ofereça-lhe palavras como presente, em poemas, em canções. Ofereça-lhe Neruda, Pound, Sexton, cummings. Deixa-a saber que tu percebes que as palavras são amor. Que sabes a diferença entre os livros e a realidade.




Minta. Uma vez, duas, deslavadamente. Se ela compreender a sintaxe, vai perceber a tua necessidade de mentir. Atrás das palavras existem outras coisas: motivação, valor, nuance, diálogo. Nunca será o fim do mundo. 




Trate de desiludi-la. Porque uma mulher que lê compreende que o fracasso conduz sempre ao clímax. E que todas as coisas chegam ao fim. Que sempre há a possibilidade de se escrever uma sequência. Que pode-se começar outra vez e outra vez e continuar a ser o herói. Que na vida é suposto existir um vilão ou dois.




Temes que ela descubra tudo o que não és? As mulheres que lêem sabem que as pessoas, tal como as personagens, evoluem [exceto na saga Crepúsculo]. E quando a vires acordada às duas da manhã, chorando, com um livro contra o peito, envolva-a com um abraço. Prepara-lhe um chá. Podes perdê-la por uma ou duas horas, mas ela volta para ti.




Quando menos perceberes, já está: alugas um balão de ar quente e te declaras. Ou durante um concerto de rock. Ou, casualmente, na próxima vez que ela estiver doente, pelo skype. Vais sorrir tanto que te perguntarás por que é que o teu coração ainda não explodiu e espalhou sangue por todo o peito. Juntos, vão escrever a história das suas vidas, terão crianças com nomes estranhos e gostos ainda mais estranhos. Ela vai apresentar aos seus filhos o Gato de Botas e Aslam - talvez no mesmo dia. Vão atravessar juntos os invernos da velhice e ela recitará Keats, num sussurro, enquanto tu sacodes a neve das botas.



Namora uma mulher que lê, porque tu mereces. Mereces uma mulher que te pode dar a vida mais colorida que consegues imaginar. A não ser que prefiras a monotonia, horas requentadas, propostas meia-boca... Mas se queres o mundo e os mundos que estão para além do mundo, então, namora uma mulher que lê. 

Ou, melhor ainda, namora uma mulher que escreve."

Encontrado em: http://ouisto.blogspot.pt/2012/02/procurando-namorada.html