20 dezembro 2017

#DiárioDeLeitura: Correr - o exercício, a cidade e o desafio da maratona


No dia 7 de dezembro decidi desafiar o meu corpo, o meu fôlego e a minha disposição. Instigada por um 2018 imprevisivelmente diferente, resolvi traçar metas com vários objetivos diferentes: sonhos, saúde, solidariedade e saudades. Um conjunto de "s" que vão me realizar enquanto ser humano. Então comecei ainda em 2017. Chamei o amigo mais disposto que conheço, coloquei o tênis e fui. A meta é completar uma corrida de, pelo menos, 5km.

Um dia depois, me agarrei a Drauzio Varella. Já havia me encantado por ele em "Prisioneiras" - livro que devo comentar em breve -, mas em "Correr" eu me apaixonei. Não apenas por começar a mergulhar em mundo semelhante ao que ele escreve, mas principalmente por admiração e respeito. "Cinquenta anos. Idade em que tem início a decadência do homem". Essa frase vai te acompanhar durante toda a leitura, ainda que não apareça com tanta frequência. Drauzio resolveu iniciar a sua vida aos cinquenta, depois de ser praticamente afrontado com essa frase. Tornou-se corredor de rua e o objetivo não era tão pequeno quanto o meu: transformou-se em maratonista. E está aí a beleza do seu livro.

Médico mas, antes de tudo, um ser humano incrível, ele conseguiu. Superou desafios e fez da corrida o seu estímulo diário, o seu escape, a calmaria e o remédio necessário para aguentar a batalha árdua do dia com bom humor e concentração. A cada leitura, o meu objetivo parecia ganhar mais foco. Por mais que você não queira ser um corredor de rua ou maratonista, leia. "Correr" é um livro sobre coragem. Além disso, se quer conhecer um pouquinho do mundo, o livro de Drauzio é uma boa entrada. 

O fato é que, como somei a minha prática com a leitura, tudo foi muito prazeroso. Eu entendi, guardadas as devidas proporções, todas as questões abordadas por ele. E aprendi. Apreendi. Conheci. Drauzio me apresentou lugares lindos como Blumenau, Nova York, Chicago, Boston, Tóquio, Miami. No Brasil, percorreu maratonas que marcaram a sua vida de corredor de rua. 

Criei um fascínio pelo encanto que deve ser correr em ruas de lugares desconhecidos. Conhecer cidades através da corrida de rua e decorar na memória cada esquina, cada viela, para voltar com segurança. Se a beleza dos lugares me foi vistosa demais por meio da leitura, imagina se faço isso realmente? "Correr" foi o empurrão que eu precisava. 

Em 2016 estive em São Paulo pela primeira vez. Diferente de tanta gente, fiquei maravilhada pela cidade que não para, pelos prédios altos, os bairros arborizados e os parques enormes que transmitem, facilmente, a sensação de paz. Drauzio Varella descreve alguns percursos que faz em São Paulo como treinamento para correr suas maratonas. Ele fez renascer em mim a vontade de voltar. Mas dessa vez observando, sem correria, mas correndo.

Dani Fechine

15 dezembro 2017

#DiárioDeLeitura: O casamento

Nas minhas andanças por congressos na área de jornalismo, conheci uma pessoa que me fez apaixonar, cada vez mais, pela profissão. Com reportagens literárias, em profundidade e subjetivas, fiz de Fabiana Moraes não apenas uma grande inspiração, mas também objeto do meu trabalho de conclusão de curso. Pelo Jornal do Commercio, em Pernambuco, se destacou como repórter especial, produzindo séries e grandes reportagens que marcaram a sua carreira de jornalista e a vida de pessoas que se dispuseram a ler essas empreitadas.

Um desses especiais ganhou o título de A Vida é Nelson, em agosto de 2012. Essa frase ecoa sempre, para onde quer que eu vá. Fabiana precisava encontrar histórias reais que, de tão absurdas, pareciam ficção. Foi quando descobri esse especial, agora em 2017, que resolvi me agarrar de vez a esse grande, que vez ou outra me prende a alguma história mirabolante. Já estava lendo "A vida como ela é", volume I, mas uma amiga me enviou - sem saber dessa ligação atual com Nelson Rodrigues - o livro "O casamento", o qual ela já havia terminado de ler e estava me emprestando. O livro viajou de Fortaleza a João Pessoa, mas terminei mais rápido que o percurso que ele deve ter enfrentado.

"O casamento" é uma bela viagem a uma festa que você não foi convidado, mas está a espreita, observando tudo de longe. Fico fascinada com essa capacidade inata de Nelson Rodrigues de transformar um dia, em um livro. Sem spoiler, a história se passa na véspera do casamento de Glorinha e Teófilo. E todo o livro acontece em 24h. Nelson consegue falar sobre a vida, sem imitá-la, sem entregá-la à monotonia ou clichês. 

Sempre me chamou muita atenção a recorrência de casos de traição, morte e vingança nos contos de Nelson Rodrigues. Em "A vida como ela é" as histórias estão recheadas de adultérios. Quando comecei "O casamento" tive a impressão de encontrar muitas diferenças. Uma crônica expandida sempre dá margem para muitas mudanças durante o seu enredo. Não posso dizer que o livro é mais do mesmo, porque Nelson sempre surpreende, nunca decepciona. Mas existe nele a marca da sua escrita: o toque de realidade em uma ficção mascarada pelas mentiras e intempéries da vida. 

"O casamento" nos deixa extasiado, vidrado, prontos para acompanhar um desfecho massacrante em uma festa matrimonial bem marcada e prestes a acontecer. Começá-lo nos dá uma boa vontade de terminá-lo, pois a impressão que fica é que, quando paramos a leitura, paramos também o dia. E retornamos, logo depois, de onde estávamos, como se do lado de cá da realidade as horas também não passassem. Essas extravagâncias de Nelson é que me fazem vidrar nas folhas do livro. Recheado de paixões, desarranjos e desencontros, "O casamento" não fica para trás das crônicas humanas e agoniadas de "A vida como ela é".

Quando encerrei o último capítulo, a única frase que ainda vinha a minha mente era: a vida é Nelson. Isso tudo tem a ver com pertencimento. Com sentir-se parte e carne durante a leitura. Com transportar-se para a história, imaginar cenas e cotidianos que não são os nossos e se envolver em tragicomédias até certo ponto inacreditáveis. A vida é Nelson.

Dani Fechine