30 junho 2011

Comentário do meu pai

Há um período em que os pais vão ficando órfãos dos seus próprios filhos. É que as crianças crescem independentes de nós, como árvores tagarelas e pássaros estabanados. Crescem sem pedir licença à vida. Crescem com uma estridência alegre e, às vezes, com alardeada arrogância. Mas não crescem todos os dias, de igual maneira. Crescem de repente. Um dia sentam-se perto de você no terraço e dizem uma frase com tal maturidade que você sente que não pode mais trocar as fraldas daquela criatura. Onde é que andou crescendo aquela danadinha que você não percebeu? Cadê a pazinha de brincar na areia, as festinhas de aniversário com palhaços e o primeiro uniforme do maternal? A criança está crescendo num ritual de obediência orgânica e desobediência civil. E você está ali, na porta da discoteca, esperando que ela não apenas cresça, mas apareça! Ali estão muitos pais ao volante, esperando que eles saiam esfuziantes sobre patins e cabelos longos, soltos. Entre hambúrgueres e refrigerantes nas esquinas, lá estão nossos filhos com o uniforme de sua geração... incômodas mochilas da moda nos ombros! Ali estamos com os cabelos esbranquiçados. Esses são os filhos que conseguimos gerar e amar, apesar dos golpes dos ventos, das colheitas, das notícias e da ditadura das horas. E eles crescem meio amestrados, observando e aprendendo com nossos acertos e erros. Principalmente com os erros que esperamos que não repitam. Há um período em que os pais ficam um pouco órfãos dos próprios filhos. Não os pegaremos nas portas das discotecas e das festas. Passou o tempo do balé, da natação, do inglês ou do judô. Saíram do banco de trás e passaram para o volante de suas próprias vidas. Deveríamos ter ido mais à cama deles ao anoitecer para ouvirmos sua alma respirando conversas e confidências sobre os lençóis da infância e os cobertores daquele quarto cheio de adesivos, agendas coloridas e discos ensurdecedores. Não os levamos suficientemente ao Playcenter, ao shopping, não lhes demos suficientes hambúrgueres e cocas, não lhes compramos todos os sorvetes e roupas que gostaríamos de ter comprado. Eles cresceram sem que esgotássemos neles todo o nosso afeto. No princípio subiam a serra ou iam à casa de praia entre embrulhos, bolachas, engarrafamentos, natais, páscoas, piscina e amiguinhos. Sim, havia as brigas dentro do carro, a disputa pela janela, os pedidos de chiclete e cantorias sem fim. Depois chegou o tempo em que viajar com os pais começou a ser um esforço, um sofrimento, pois era impossível deixar a turma e os primeiros namorados. Os pais ficaram isolados dos filhos, tinham a solidão que sempre desejaram, mas, de repente, morriam de saudades daquelas criaturas. Chega o momento em que só nos resta ficar de longe torcendo e rezando muito (nessa hora, se a gente tinha desaprendido, reaprende a rezar!), para que eles acertem nas escolhas em busca da felicidade. E que a conquistem de modo mais completo possível. O jeito é esperar... qualquer hora podem nos dar netos. O neto é a hora do carinho ocioso e estocado, não exercido nos próprios filhos e que não pode morrer conosco. Por isso os avós são tão desmesurados e distribuem tão incontrolável carinho. Os netos são a última oportunidade de reeditar o nosso afeto. Por isso é necessário fazer alguma coisa a mais, antes que eles cresçam. É isso aí...mas para mim vcs nunca crescerão, serão sempre aquelas coisinhas miúdas em que embalava nas redes e que me transformava no palhaço nesse grande e imenso palco da vida, onde a arte e a felicidade de ser pai jamais morrerá. Amo vc minha Galega linda. Teu Pai...Antonio Neto. 

[Comentário do MEU PAI no texto "Parabéns, Pai"]

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"Aproveita que a melhor parte é de graça e feita com mais amor do que cabe em mim." (Tati Bernardi)