04 maio 2014

Carta do futuro


“Venho, por meio desta, informar que uma mudança drástica aconteceu no nosso mundo. Logo após a implosão que sucedeu por aqui algo novo surgiu. Um novo planeta renasceu, com novas árvores, novas terras, novos mares, novo céu, novas pessoas. Esse é o ponto principal. Novas pessoas. Caro amigo, sei que não lerá esta carta, mas faço questão de relatar para as gerações futuras sobre o futuro grandioso que o nosso passado obteve e ninguém melhor do que você para ser o meu destinatário.


Pois é, você é uma das poucas coisas do mundo velho que ainda restam nesse paraíso, porque permanece por todos os lugares. Hoje saí pra trabalhar a pé, para sentir um pouco a brisa fria da manhã de junho e, algo incrível aconteceu: durante os 15 minutos de caminhada até o escritório, recebi cinco cumprimentos de bom dia. Agora todos se cumprimentam na rua, mesmo que não se conheçam. Acenam, sorriem e as vezes até desejam coisas boas pra gente, sem se importarem com quem estão falando. Chamaram essa prática de educação. Achei fantástico e estão até ensinando nas escolas.

Lembra-se dos noticiários sanguinários que você detestava? Faliram. Pouco se vê de violência por aqui. Todos me parecem humanos, diferentemente do mundo antigo, onde a briga diária por bens materiais, pela vida e pela paz alheia, era pauta principal de quase todos os jornais da cidade. Agora a gente sai pra beber um vinho durante a noite e não nos assusta mais deixar o carro em casa e caminhar um pouco até o bar. Voltamos alegres, pisando as poças d’água, sem disparar o coração ou sermos surpreendidos com algum assalto a mão armada. E quando raramente isso acontece, esses cidadãos um pouco desvirtuados das coisas boas que a vida pode nos dar, são reabilitados em casas especializadas nesse tipo de problema. Recebem a chance de voltar ao mercado de trabalho e passam a viver novamente como nós. Quem diria, hein, que essa paz seria possível? O segredo foi investir na prevenção do mal. Remediar se tornou obsoleto.

Uma novidade digna de comemoração é que preconceito pouco se conhece por essas bandas de cá. Comemos bananas e ninguém nos chama de macaco, por exemplo. Não somos todos iguais, mas nos respeitamos igualmente. Não temos a mesma origem, mas somos um mesmo povo. Não fomos criados da mesma forma, mas lutamos para uma mesma causa. Não gostamos das mesmas coisas, mas compartilhamos nossos saberes. Não nos ensinaram como seguir, nós simplesmente seguimos. E fizemos o certo.

Por falar nisso, aqui sobra honestidade. Se esse mundo para o qual escrevo ainda houvesse salvação, mandaria um pouco dentro desse envelope. Quem não tem nada, o pouco já é suficiente. Políticos a gente também tem, sabe? Mas como diria Thomas Hobbes, esse governo é um mal necessário para conter o caos. Alguém tinha que pôr ordem nisso tudo e, por incrível que pareça, está dando certo. Educação não nos falta, meu amigo. As crianças estudam sustentadas pelo governo e estas são as melhores escolas do nosso país. Há briga para conseguir matrícula. Abastados ou não, todos frequentam o mesmo colégio. A saúde gratuita também virou acesso fácil e eficiente. Os médicos aqui gostam de trabalhar e o fazem por amor. Nenhum cidadão morre em cima de uma maca no corredor da emergência. Nenhum idoso perde sua vida por recusa de atendimento. Somos todos prestativos. E fazemos isso porque queremos o mesmo em troca.

E por fim, meu caro, aqui o respeito é mútuo. Das crianças aos idosos, todos fazem parte de uma mesma massa regida pela educação. Alguns ainda não descobriram seus destinos, mas todos sabem que a base para construí-los está no que plantamos por aqui: respeito. A dignidade, a coragem de seguir em frente e o sucesso da realização nós cultivamos pouco a pouco e acreditamos que no fim seremos cada vez melhores. É com uma saudade imensa de você que me despeço de uma vez por todas. O mundo que ficou não mais nos pertence e dele não queremos nem uma folha para plantar por aqui. O mal se dissemina com uma frequência maior que o bem e é isso o que menos queremos no nosso planeta que não mais se chama Terra. Um abraço saudoso e repleto de boas energias. Quem sabe não nos encontremos em outro mundo.”

Dani Fechine

2 comentários:

  1. Olá, Dani! Descobri o seu blog recentemente e acabei por dar-me a liberdade de stalkea-lo. Li alguns textos teus de 2011. - Inclusive, o primeiro - Onde tu diz que encontraremos aqui, palavras soltas e bagunçadas, com sentidos ou não, mas que sim, com sentimento. Fui lendo, uns e outros, dos anos para cá... E me admirei! Não sou ninguém para julgar ou avaliar, este blog ou qualquer outro, vi também que tu estudas Jornalismo, mas acredito que o jornalismo em si não pratique tanto amor. Mas, voltando ao assunto, eu com minha pouca sapiência e leiga no assunto, achei incrível a tua evolução guria! Teus textos sempre tiveram conteúdo, mas, com o tempo, fostes de aperfeiçoando, e o conetúdo cresceu, o palavriado aumentou e desde de sempre foram gostos de ler, mas garanto, tudo melhorou. PARABÉNS! Tu és ótima. Mesmo. Que um dia, eu chegue lá.
    Att, vcm.

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    1. É maravilhoso encontrar alguém que vai fundo nessa questão. O Blog já é um tanto antigo e ninguém, além de mim, havia feito essa observação. Fico extremamente feliz de ter crescido, de ter melhorado e ter tornado a leitura dos textos mais leves e interessantes. E mais feliz ainda por leitores terem percebido isso. Muito obrigada pelo carinho, e sim, todos nós chegaremos lá!
      Um abraço :)

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"Aproveita que a melhor parte é de graça e feita com mais amor do que cabe em mim." (Tati Bernardi)