Quando eu te vi levantar da cama devagarzinho, e pegar
apenas uma xícara de café bem quente, ficou meio na cara que a minha frieza tinha
emanado o prédio inteiro. Era dezembro, terça-feira, dia 7. Chovia em pleno
verão. Você sentou-se ao sofá, jogou as
pernas pra cima, ligou a TV naquele canal que eu não suporto e nem se preocupou
com o fato de que o volume estrondoso poderia me acordar. Não recebi um bom dia
sequer. A bolha que vivíamos diminuíra e agora somente você, você e sua xícara
de café, habitavam o local.
Não pestanejei. Dei cor a uma taça com um vinho seco e nem
me importei se estávamos em pleno nascer do sol. Pus-me a varanda e contemplei
a solidão. Em certos tempos sentir-se só na presença do outro é mais deprimente
que realmente estar sozinho. O amor acabou? Ou o encanto? Já dizia um autor
querido que perder o encanto é a pior derrota. Pois perdi. Derrotei-me.
Larguei-me no dia frio com seus raios de sol. Dormi amando e acordei num
desencanto que nem mesmo duas xícaras de café na cama mudariam esse fosco dos
meus olhos.
Bastou esse egoísmo matinal, esse desprezo em seu rosto
completamente nu e toda essa sua excentricidade inata, achando que o mundo é
essa bolha frágil que se vive. Não precisou muito. Levantar sem me sorrir já me
foi o suficiente para tomar o travesseiro todo pra mim, me espalhar na cama
como a tinta do polvo se espalha quando detecta algum perigo e fingir que toda
essa crendice de amor romântico acabara ali.
Um olho aberto, outro fechado. A porta entreaberta me convidava pra um
discurso mal-humorado de quem acabara de acordar num puro estresse. Mas aprendi
desde criança: “Fica calada, e então, não perderás a razão”. Apenas perderei a
chance de reafirmá-la. Estourei a bolha. O mundo, agora, tinha plenos poderes
para nos atingir. Vai ver que a culpa foi dele.
Silenciei ao meu sonho de que, não, eu não estava em busca
de uma desculpa para correr daquele apartamento, deixar tudo pra trás, tanto as
roupas como você. Eu quis acreditar que a culpa era sua. Que se você tivesse
colocado café em duas xícaras, as coisas talvez não tivessem o mesmo fim. Eu
quis me convencer de que, na verdade, você acordou querendo por um fim numa
relação que a dois não dava mais pra ser. Por orgulho – ou por maestria em se
estar por cima – essa coisa toda deveria partir de mim.
Larguei a taça de vinho ao chão, fingi que eu nunca tivera
uma tpm, parei bem em frente a TV. Desliguei aquela merda de canal 'desconstrutivo'. Vestia uma de suas camisas e qualquer chinelo que encontrei na
casa. Olhou-me espantado. Não entendia nada. Afinal, armei a cena. Apossei-me
do seu pior dia, de uma noite mal dormida, de um dia anterior estressante no
trabalho e de uma discussãozinha antes de dormir. E então falei sem gaguejar,
sem tripudiar, com os cabelos ainda embaraçados, mas com um ar de certeza que
jamais me dominara: “O amor acabou”.
E eu dizia pra mim mesma: não foi uma xícara a menos de café, não
foi um bom dia dito pra dentro, não foi o canal ridículo ligado nas alturas,
tampouco os chinelos brancos, a boca muda, a cara limpa. Não foi você. Não fui
eu. Não foi esse vinho seco tomado tão cedo, nem a minha tpm fora de época.
Repetia a mim mesmo que nada disso tinha culpa. O universo não conspira. As
estrelas não influenciam. A sorte não estava no caminho. Mas eu falava em caps lock “o encanto acabou, meu amor, o encanto acabou”.
Dani Fechine
(citação: Perder o encanto é a pior derrota - eu me chamo Antônio)
Dani Fechine
(citação: Perder o encanto é a pior derrota - eu me chamo Antônio)
PERFEITO COMO TODOS OS OUTROS!! Parabéns Dani, vc tem um talento magnifico :D
ResponderExcluirNobre escritora,
ResponderExcluirQuando iniciei a leitura, exatamente neste trecho: "Com você as coisas mudaram um pouco. Desde que você chegou, abriu a porta da minha casa sem bater," pensei que você estava falando de Jesus - rsrsrs - Não parece? Admita! Leia novamente! Mas logo percebi que você NÃO tava falando do amor ágape... A partir daí, enquanto estava lendo, ouvia ao mesmo tempo sua voz. O texto bem caprichado e criativo é a sua cara, assim como o 'vinho seco', ou a 'xícara de café'. Só não gostei do desfecho, pois prefiro o clichê: "E viveram felizes para sempre". Abração
F.Nunes