Nossa história daria um filme. Ou um
livro. Não porque nos aventuramos a sair da rotina todos os dias. Pelo contrário. Amor é
rotina. Daria um best-seller pela simplicidade. Pela paciência, pelo carinho e
companheirismo. Daria um livro só pelo fato da gente se amar sem sair por aí
pra escancarar. Nós ganharíamos o Oscar de melhor casal, de melhor
beijo ficcional, da melhor cena de amor que Hollywood já viu. Eu vou escrever
um livro sobre nós dois. Sobre como foi ter você todos os dias ao meu lado com esse
sorriso infindo, esse olhar penetrante que não me abandona segundo sequer. Vou
escrever um livro sobre a nossa história convencional, embora a mais bonita do
mundo, pelo simples fatos de nós dois sermos os protagonistas.
Meu prefácio é o nosso fim.
Começarei o nosso livro contando do quanto a gente foi feliz a vida inteira.
Que apesares aconteceram, que tropeços também tiveram aos montes, mas que
nossas mãos nunca estiveram tão firmes uma na outra. Escreverei sobre o jardim
que cultivamos desde noivos e que até hoje, na velhice companheira que nos fez
cada dia mais vívidos, cultivamos como nosso amor. Não posso esquecer também
dos filhos lindos que tivemos. Os meninos mais lindos do mundo
que tornaram-se Peter Pan nos nossos corações. Seria também uma injustiça não
falar de você. De como foi bonito te ver envelhecer. Ver os seus cabelos
castanhos ficarem cada dia mais claros, e por fim, brancos. Falar de como eu me
sinto feliz, leve e satisfeito por ter encontrado uma pessoa tão maravilhosa, por
dentro, por fora, consigo, com os outros. Alguém que segurou a minha mão até
perder as forças no leito de morte. Alguém que me faz agradecer, todos os dias,
por ter tido uma pessoa que amou os meus defeitos, as minhas qualidades e todo o meu
esquecimento precoce de uma velhice tardia.
O capítulo um seria intitulado de 24 horas. É a quantidade de horas por dia que eu sou feliz. Que eu amo. E que eu
vivo pra te fazer sorrir. É a quantidade de horas que eu me lembro de como foi
encantador te ver no altar, derramando as lágrimas mais sinceras que eu já pude
tocar. De como foi doce dizer um “sim”, mesmo querendo gritar “para sempre”. É
a quantidade de horas por dia que eu tento voltar para o dia que nos conhecemos
e reviver todo aquele instante. O momento do primeiro encontro, a sua primeira
gargalhada, o primeiro abraço de
proteção quando eu achei que meu mundo estivesse implodindo naquele instante e
o primeiro “eu te amo” que eu ouvi e guardei dentro da caixinha de música que
você me deu no primeiro ano de namoro. 24 horas é o tempo diário que eu
tento te fazer feliz, porque é isso que também me faz feliz.
O segundo viria sem palavras em
seu título. Em branco. Que é como eu ficava ao acordar e admirar, de
perto, de muito perto, a tua nunca e alisar os teus cabelos como se todo dia
fosse o último dia da minha vida. Emudecer era a minha reação a cada surpresa que
você me fazia fora de hora, fora de época, sem data, sem mês, mas com amor
escrito em cada canto do mundo. Além do título, poderia deixar o próprio capítulo também em branco,
porque as coisas mais lindas que você me falou foram no silêncio. Na paz de
espírito. No amor que a gente dividia no olhar. Tudo de mais encantador que eu
ouvi e li, foi no seu piscar de olhos lentamente, um pouco cerrados
e brilhando como esmeraldas.
O capítulo três é de como eu
sinto a sua falta, Emma. Ele iria se chamar “Vazio”. É o que ficou da nossa
casa. Da poltrona rosa ao lado da minha, da escrivaninha com todos os seus
cadernos, folhas, canetas. O vazio que você deixou no jardim, entre as flores.
O nada que me faz tão cheio todos os dias. Esse vazio que me faz querer sentir
o teu perfume entre as rosas, que me obriga a derramar uma lágrima sempre que
não te vejo mais sentada onde deveria estar. Vazio é o lado da cama que você
deixou com seu cheiro e ainda com seu jeito. É a xícara de café que eu não
encho mais pra te levar na cama, o almoço de natal que não faz mais sentido, e
os nossos aniversários de casamento que eu comemoro sempre com uma nova carta
pra você.
E todos os outros capítulos
seriam uma dessas cartas escritas nos dias 22 de abril de cada ano. Cartas que
te trazem de volta por algumas horas e que me fazem sentir a ausência mais
presente do que todos os dias. Cartas de amor ridículas, como diria Fernando
Pessoa, porque se há amor, tem de ser ridículas. Cartas das rotinas mais
apaixonantes que eu vivia, porque você sempre me dizia que amor é amar a
rotina. E eu amava. Amava você e amava a rotina que você me fazia viver,
crescer e ser feliz. É por isso que todas essas cartas seriam experiências
simples de uma vida simples de duas pessoas simples e de um amor simples.
Cartas que fizeram de mim o homem mais saudoso do mundo, com o coração
nostálgico. Uma saudade que não tem fim, dos seus olhos, do seu sorriso, do seu
abraço protetor e desse carinho que ninguém nunca vai encontrar igual na vida.
Escreverei um livro sobre nós
dois. E ele será a minha última carta para, enfim, te encontrar novamente, onde
quer que esteja. Eu prometo, Emma. É o último ato corriqueiro que nós vamos
realizar juntos. O único toque de amor que nós vamos deixar na Terra. A última
semente de que vale a pena ter esperança num amor tranquilo. Escreverei o nosso
livro e ele se chamará Amor com Rotina.
Citação: “As cartas de amor, se há
amor, tem de ser ridículas.” Fernando Pessoa
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"Aproveita que a melhor parte é de graça e feita com mais amor do que cabe em mim." (Tati Bernardi)