27 janeiro 2014

Carta de um confidente

"Ser uma incógnita às vezes é um meio estranho de querer encontrar o X da questão. Ou melhor, encontrar uma resolução plausível. Ninguém conhece alguém de verdade, a fundo, sentimentalmente ou até aparentemente. E é por isso, é por ser tão impossível (pra não dizer difícil, impossível é mais bonito), que Linda gostaria, até demais, que você a conhecesse profundamente: do fundo do coração até o arrepio da pele, com todos os advérbios e superlativos possíveis.

Você bem que poderia saber, moço, que ela ama morangos, que a sua cor favorita é o preto e que o rosa pouco lhe atrai. Seria mágico e ao mesmo tempo uma realidade legal de viverem, se você soubesse que quando ela fecha a sua boca tagarela, ou quando toma chá de sumiço, é porque espera que o telefone toque ou que alguém – sendo agora bem indireto com você - apareça no portão com uma cara lavada de saudade e uma ruga de preocupação. Por falar nisso, você deveria notar que quando ela senta, abraça os joelhos e leva o queixo até eles, é até um pouco de frio sim, mas é muito mais preocupação, medo e uma necessidade incontrolável de te dizer algo, mas também de ouvir qualquer nota musical escapulir de sua boca.

Imagino que você deve ter notado. Ela sempre espera que note. Mas quando ela sorrir sem mostrar os dentes é a sua melhor forma de dizer, de te contar, de desabafar nessa sua vida de artista, que meu Deus, “como é bom te ter ao lado”. É fácil perceber que o seu emocional vai estar escrito em sua testa. Se você a conhecer nem será preciso analisar demais. E é (até) um sonho pra ela ouvir a sua voz perguntando se é aquela saudade de novo batendo forte no peito. Seus olhos são as suas armas. E você poderia conhecê-la muito a ponto de ler as suas expressões visionárias. Se o sorriso dela entra em sincronia com o olhar, você deve logo saber que há uma pitada de satisfação nesse coração mole e orgulhoso.

Você também poderia ser capaz de descobrir o que lhe fascina. E nessa eu posso até te ajudar. Porque nada fascina mais a Linda do que ver você, com essa cara de menino e essa maturidade de avô, tentando explicar-lhe que a Terra é redonda sim e que não adianta ela questionar, as estrelas são pessoas que se foram e levaram consigo todo o brilho que exalaram aqui na Terra e mesmo que ela pense que são corpos celestes, você vai conseguir provar-lhe que são anjos iluminados. Esse seu linguajar manjado de quem já estudou muito, mas que nunca esqueceu que manjar um pouco de tudo faz bem pra vida. 

Essa sua postura cansativa de que há sempre um sorriso a ser mostrado ou uma lágrima a ser escondida, é alguma coisa que ela pode arriscar sobre você, por ter querido tanto que você fizesse o mesmo. 'A gente faz com as pessoas aquilo que queremos que elas façam conosco.' Aquela sua tia segunda que só aparece de repente e sem avisar, nunca a visitou sem deixar dita essa frase. E ela carrega isso consigo. Leva para um dia te dizer que embora ela queira tanto, peça tanto, deseje tanto, o que na verdade espera de você é a percepção lógica do seu amor. Que você saiba, sem ao menos ela falar, que o “eu te amo” ta gritando, mas não quer pular, não quer escapulir. Eu desejo pra vocês que você a conheça a ponto de saber e de sentir que essa carta foi apenas uma maneira nada obsoleta de dizer que se você a conhecer, você será único no mundo. Trazendo à tona O Pequeno Príncipe pra deixar claro que se você a conhece verdadeiramente, você cativa-lhe. Fica a responsabilidade de desvendar alguém que nem ela mesma, com tantas idas e vindas e com tantos espelhos, cadernos e canetas, foi capaz de descobrir que ninguém conhece o outro como deveria.
Com carinho e muita esperança no amor, o Diário da Linda."


Dani Fechine

3 comentários:

  1. Fiquei agora pensando em quanto a gente se envolve, vive junto, se apaixona, namora, as vezes até casa, mas não conhece certas belezas do outro. Não cultiva os detalhes, não se apaixona pelos segredos da outra pessoa.
    Lindo texto, Dani. Parabéns!

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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  3. Belo texto, contínuo, leve, e que prende e cativa quem lê. Texto gostoso para se ler numa tarde de domingo, tomando uma xícara de café pensando na vida.
    Você escreve muito bem. Demorei para ler teu blog, mas o fiz esses dias, e que arrependimento tive de não tê-lo feito antes. Textos cativantes :)

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"Aproveita que a melhor parte é de graça e feita com mais amor do que cabe em mim." (Tati Bernardi)