07 janeiro 2014

Autossabotagem

Parecia-me desconfortante chegar aos 30 como um solteirona morando sozinha num apartamento de 2 quartos localizado na cidade mais romântica da Europa. Desconfortante e até um pouco deprimente. Sair à varanda e me deparar com casais atravessando o rio Sena, andar pelas ruas e ser surpreendida com algum turista me pedindo uma fotografia sua e de sua esposa, ou dos seus filhos. Ou até mesmo ir à festa de 20 anos da agência sem nenhum acompanhante, a não ser uma taça de vinho seco que o chefe faz questão de acrescentar no buffet. Ele bem que conhece minha solidão manjada e esse meu dedo podre para um relacionamento bem sucedido. Então comecei a analisar o que, de fato, me fez ficar trancada na cidade das luzes, sozinha, com uma xícara de café.

O primeiro desencanto foi o Tony. Carinhoso, fazia um melodrama incrível que só ele era capaz de possuir tal feitio, e ambos de maneira exagerada. Tony amava demais, podia se machucar. Não, não dava certo. Depois de alguns drinks nos bares da cidade, encontrei Richard. Seu amor era na medida certa. Nem loucamente apaixonado nem desinteressado demais. Mas era conhecido em todos os pubs da cidade por se descontrolar quando bebia, embora eu nunca presenciara tal cena. Parafraseando Machado: amei-o por 30 dias e umas 13 doses de tequila.

Passei um ano tentando me adaptar aos transtornos que dois homens errados fizeram em minha vida. Após alguns meses em manutenção conheci Morgan. Ele era professor de Arte de uma escola próxima à agência que eu trabalhava. Ligava-me em um intervalo de no máximo 20 minutos, a ponto de ser necessário desligar o celular durante todo o período de trabalho. Quando achava que teria alguns minutos de paz no caminho para casa, ele me aparecia sentado nos degraus do café que eu costumava frequentar. Grudento demais. Joguei o chiclete fora antes de perder o gosto.

Já me encontrava frustrada com a situação e acreditando, inclusive, que algum moleque brincalhão havia retirado minhas moedas da Fontana di Trevi, onde joguei praticamente todo o cofrinho em uma das viagens a Roma. Foi quando conheci John. Moreno, intelectual, escritor em Veneza e um amante da literatura. Tão inteligente quanto qualquer iluminista do século XVIII, mas brutalmente apaixonado por si mesmo. John tinha uma prepotência que não cabia nem nele mesmo. Não conseguia enxergar um palmo a frente do seu nariz. E eu sempre estava um palmo a frente do seu nariz. Não dava pra me relacionar com alguém que nem mesmo me notava. Desisti.

E foi nesse abrupto da realidade que me encontrei sabotando todos os meus relacionamentos. Quando eu vi John completamente encantado consigo mesmo percebi que era um pouco disso que me faltava. Um pouco de amor pelas curvas do meu corpo, pelo cabelo ainda brilhoso, a boca marcada por carmim e pelo talento reconhecido mundialmente. Era um pouco de autocompaixão também, de querer me amar dos pés até o último fio de cabelo. Eu me atentei para o fato de que Tony não era tão carinhoso assim e o seu melodrama nem era tão horrendo.  A verdade é que me fechara anos atrás para qualquer demonstração sincera de amor. E não me permitia ser amada. A gente aceita o amor que a gente acha que merece. Eu é que errei. Acabei acreditando nas histórias de mesa de bar para simplesmente não mergulhar fundo numa paixão com Richard. Forrar a verdade foi uma solução covarde e defensiva. Mas, não, Morgan realmente não dava pra ser. Vá lá, não dá pra topar com o cara em toda esquina que passar. Definitivamente, ele autossabotou.

E então decidi jogar mais uma moeda na Fonte de Trevos e não esperar a sorte cair do céu. Permiti-me ser feliz. E arriscar. Tentar. E mais uma vez cair na rede de algum homem errado, se fosse o caso, se não fosse autossabotagem. Mas nunca na de um homem grudento. Morgan me deixou traumatizada. E seletiva. 

Dani Fechine


Citação: "A gente aceita o amor que a gente acha que merece." do livro As Vantagens de Ser Invisível - Stephen Chbosky

Um comentário:

"Aproveita que a melhor parte é de graça e feita com mais amor do que cabe em mim." (Tati Bernardi)