30 janeiro 2014

Relato da autora: sobre dor e saudade


Minha avó faleceu em outubro de 2012. Uma semana após o seu aniversário. Ela sempre foi muito alegre. Era a base de uma família que, sinceramente, eu não imaginava que precisava tanto de um pilar para ser sustentada. Minha avó viveu comigo toda a minha vida. Ou melhor, eu vivi com a minha avó. Eu comecei a engatinhar no chão da sua casa, eu brinquei na sua cozinha e fiz cartões no seu aniversário durante 17 anos. Um mês depois da sua partida (parece que um eufemismo ajuda um pouco) eu completaria 18 anos. Nunca gostei muito de aniversário, de comemorações e visitas. Mas nunca houve um ano sequer que meu aniversário passasse em branco. Fosse pelos amigos, fosse pela família. Minha avó comemorou 17 primaveras comigo. E simplesmente não tê-la no meu décimo oitavo aniversário simplesmente quebrava a lógica da coisa. Hoje eu odeio aniversário. Não me venha com comemorações, com festividades e alegria no dia 7 de novembro. Eu odeio o fato de não receber o abraço da minha avó assim que acordo, com uns tapinhas nas costas e as felicitações mais sinceras desse mundo. Odeio também não ter mais que fazer cartões no dia 8 de outubro.


Minha avó ajudou a minha mãe a cuidar de mim por 17 longos anos. E hoje eu a sinto por perto como todos os outros dias lúcidos de sua passagem na Terra. Ela ainda está comigo. Eu sinto. Essa mulher viu de perto a minha luta contra os livros. Um ano de abdicação, renúncia e sono. Eu sonhei que passava no vestibular, mas começava a chorar ao ver o resultado, pelo simples fato da minha avó não estar ao meu lado nesse momento. Com um ano de atraso finalmente fui chamada pra ingressar na universidade. E minha avó não estava mais presente pra me dizer que eu seria uma ótima escritora e que Jornalismo era sim a coisa certa a se fazer. “Deixa a menina fazer o que ela quer.” E estou fazendo. Minha mãe lia alguns dos meus textos para ela, e algumas vezes ela chorava ao ouvi-los. Isso me fazia gostar do que eu escrevia. É bom emocionar pessoas. Era maravilhoso emocionar a minha avó.


Nunca gostei muito de sair. Puxei a minha mãe quanto a isso. Gosto da minha cama aos domingos e de uma rede com um bom livro. Mas desde que minha avó se foi eu simplesmente não quero mais sair com a mesma frequência de antes. Depois de colocar a minha melhor roupa, jogar meus cabelos para o lado e cair num batom vermelho, simplesmente sento-me na cadeira da sala e espero minha carona. Não ouço mais a voz da minha avó dizendo que hoje eu vou arrumar um namorado (ou um coelho, como realmente ela dizia). Vó, eu prometo que quando eu estiver com o namorado ideal eu vou falar pra ele o quanto eu queria que ele a conhecesse e vou contar sobre a pessoa incrível que você era. Minha avó me achava linda. Até quando eu era feia, ela me achava maravilhosa. Hoje eu acho a oitava maravilha do mundo ficar em casa num sábado à noite com a minha mãe, porque isso um dia pode acabar, e eu sinto que devo aproveitar sempre que eu puder.


Nem a minha melhor amiga me visita mais com tanta frequência. Eu entendo. O tempo passa, responsabilidades chegam. Ela se tornou uma neta postiça para a minha avó. Às vezes suspeitava que viesse por aqui só conversar com ela. Mas eu não achava isso ruim. E se duas semanas se passavam sem a sua visita, minha avó logo dava conta da sua ausência e me fazia mil perguntas sobre a possibilidade de eu ter brigado com ela. Não, vó, não. Não posso dar chance ao vento de me tirar uma das pessoas mais sinceras e companheiras que Deus já colocou em minha vida. Seria um pecado mortal. Ela sofreu com a sua ida tanto quanto eu. E me dói muito lembrar da minha amiga me perguntando no dia mais triste da minha vida: “Por quê, Dani, por quê?”. Eu não sei por quê. Nada disso faz sentido. Dor não faz sentido nenhum.


De vez em quando eu sinto essa necessidade imaculada de despejar toda essa saudade em algum texto. Existem pessoas que passam pela mesma dor que a nossa. Existem pessoas que passam por dores piores do que a nossa. E um simples relato não é nada diante do abismo que fica dentro do coração. Não estou expondo a minha vida. Estou expondo a minha dor. E ela é real. Ela é viva. Habita em mim todas as noites e todos os dias em forma de saudade. Uma saudade que vem desabrochando como uma roseira. Vem se tornando um sentimento de alívio, de paz e de boas lembranças. Minha avó foi uma mulher inesquecível. E hoje não é nenhuma data especial. É apenas o dia em que eu daria a minha vida pra ver o seu sorriso outra vez.


Dani Fechine 

2 comentários:

  1. Dani, essa foi a declaração mais linda que eu li nos últimos tempos.
    Emocionadíssima.

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  2. Não sei o que dizer Dani. Acredito que a minha ausência física como pai foi, verdadeiramente, preenchida pela a sua avó. Sinto-me culpado de tantas coisas que, não sei se vale a pena descrever os grandes e contínuos erros que cometo. Suas palavras nesse texto foram sinceras e, de certa forma me senti culpado por essa sua dor e tamanha saudade. Não sei como retratar o que estou sentindo: um misto de culpa, remorso, vergonha...Rabisquei um texto, nem sei como o fiz. É uma pequena cartinha de uma filha para o seu pai ausente...

    Oi pai, lembra-se de mim? Eu sou a sua filha. É a sua filha está aqui pai.
    Ah pai, quanto tempo você ficou ausente, quantos dias eu passei longe de você. Você não me viu crescer, perdeu os meus melhores momentos, e nas horas que eu mais precisei você também não estava comigo.Porque pai? Porque toda essa distância, você não gosta de mim?
    Eu continuo sendo a “sua garotinha”, aquela mesma que amava você, eu ainda sou aquela que todas as noites pede pra Deus te abençoar, eu ainda sou aquela que ás vezes chora de saudade, e de raiva ao mesmo tempo.
    Pai... Quantas vezes eu te protegi de todos, quantas vezes eu protegi tua imagem, protegi teu nome... Quantas vezes eu fiquei esperando você ligar, quantas vezes eu fiquei lembrando de quando eu era criança e você me pegava no colo.
    Ah pai, faz tanto tempo que nós não somos " pai e filha ", na verdade nós nunca fomos isso. Eu não tenho culpa das coisas que aconteceram pai, não tenho culpa de nada, e eu não tenho que entender o porque das suas atitudes, acima de tudo você é meu pai, e o que eu queria de você era amor.
    Porque você acha que pode me comprar com presentes, pai? Eu não quero isso, eu queria você. Só isso. Só o teu amor de verdade e a sua atenção.
    Pai, não se preocupe, eu não tenho raiva de você, pelo contrário, eu te amo muito, e todos os dias eu me lembro de você, fico pensando se você lembra de mim também.
    Eu não merecia isso pai, não merecia ser largada dessa forma, eu sou sua filha...
    Pai, você foi embora da minha vida e nem se despediu de mim. Quantas noites eu chorei por você pai.Quando todo mundo te julgava eu te protegia, eu não escutava, porque mesmo com os seus erros você sempre foi o meu pai, e eu achava que um dia você pudesse volta pra me pegar.
    Mas até agora você não voltou pai.
    Pai, eu estou com saudades, mas não do seu dinheiro e nem da suas coisas. Eu estou com saudade do tempo em que nós dois éramos uma família, eu tenho saudade dos tempos que tudo era normal.

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"Aproveita que a melhor parte é de graça e feita com mais amor do que cabe em mim." (Tati Bernardi)