Minha avó faleceu em outubro de 2012. Uma semana após o seu
aniversário. Ela sempre foi muito alegre. Era a base de uma família que,
sinceramente, eu não imaginava que precisava tanto de um pilar para ser
sustentada. Minha avó viveu comigo toda a minha vida. Ou melhor, eu vivi com a
minha avó. Eu comecei a engatinhar no chão da sua casa, eu brinquei na sua
cozinha e fiz cartões no seu aniversário durante 17 anos. Um mês depois da sua
partida (parece que um eufemismo ajuda um pouco) eu completaria 18 anos. Nunca
gostei muito de aniversário, de comemorações e visitas. Mas nunca houve um ano
sequer que meu aniversário passasse em branco. Fosse pelos amigos, fosse pela
família. Minha avó comemorou 17 primaveras comigo. E simplesmente não
tê-la no meu décimo oitavo aniversário simplesmente quebrava a lógica da coisa. Hoje eu odeio aniversário. Não me venha com comemorações, com festividades e alegria no
dia 7 de novembro. Eu odeio o fato de não receber o abraço da minha avó assim
que acordo, com uns tapinhas nas costas e as felicitações mais sinceras desse
mundo. Odeio também não ter mais que fazer cartões no dia 8 de outubro.
Minha avó ajudou a minha mãe a cuidar de mim por 17 longos anos. E hoje eu a sinto por
perto como todos os outros dias lúcidos de sua passagem na Terra. Ela ainda
está comigo. Eu sinto. Essa mulher viu de perto a minha luta contra os livros.
Um ano de abdicação, renúncia e sono. Eu sonhei que passava no vestibular, mas
começava a chorar ao ver o resultado, pelo simples fato da minha avó não estar
ao meu lado nesse momento. Com um ano de atraso finalmente fui chamada pra
ingressar na universidade. E minha avó não estava mais presente pra me dizer que eu
seria uma ótima escritora e que Jornalismo era sim a coisa certa a se fazer.
“Deixa a menina fazer o que ela quer.” E estou fazendo. Minha mãe lia alguns
dos meus textos para ela, e algumas vezes ela chorava ao ouvi-los. Isso me
fazia gostar do que eu escrevia. É bom emocionar pessoas. Era maravilhoso
emocionar a minha avó.
Nunca gostei muito de sair. Puxei a minha mãe quanto a isso. Gosto da minha
cama aos domingos e de uma rede com um bom livro. Mas desde que minha avó se
foi eu simplesmente não quero mais sair com a mesma frequência de antes. Depois
de colocar a minha melhor roupa, jogar meus cabelos para o lado e cair num
batom vermelho, simplesmente sento-me na cadeira da sala e espero minha carona.
Não ouço mais a voz da minha avó dizendo que hoje eu vou arrumar um namorado (ou um coelho, como realmente ela dizia). Vó, eu
prometo que quando eu estiver com o namorado ideal eu vou falar pra ele o quanto eu
queria que ele a conhecesse e vou contar sobre a pessoa incrível que você era.
Minha avó me achava linda. Até quando eu era feia, ela me achava maravilhosa.
Hoje eu acho a oitava maravilha do mundo ficar em casa num sábado à noite com a
minha mãe, porque isso um dia pode acabar, e eu sinto que devo aproveitar
sempre que eu puder.
Nem a minha melhor amiga me visita mais com tanta frequência. Eu entendo. O tempo passa, responsabilidades chegam. Ela se tornou
uma neta postiça para a minha avó. Às vezes suspeitava que viesse por aqui só
conversar com ela. Mas eu não achava isso ruim. E se duas semanas se passavam
sem a sua visita, minha avó logo dava conta da sua ausência e me fazia mil
perguntas sobre a possibilidade de eu ter brigado com ela. Não, vó, não. Não
posso dar chance ao vento de me tirar uma das pessoas mais sinceras e
companheiras que Deus já colocou em minha vida. Seria um pecado mortal. Ela
sofreu com a sua ida tanto quanto eu. E me dói muito lembrar da minha amiga me
perguntando no dia mais triste da minha vida: “Por quê, Dani, por quê?”. Eu não
sei por quê. Nada disso faz sentido. Dor não faz sentido nenhum.
De vez em quando eu sinto essa necessidade imaculada de despejar toda essa
saudade em algum texto. Existem pessoas que passam pela mesma dor que a nossa.
Existem pessoas que passam por dores piores do que a nossa. E um simples relato
não é nada diante do abismo que fica dentro do coração. Não estou expondo a
minha vida. Estou expondo a minha dor. E ela é real. Ela é viva. Habita em mim
todas as noites e todos os dias em forma de saudade. Uma saudade que vem
desabrochando como uma roseira. Vem se tornando um sentimento de alívio, de paz
e de boas lembranças. Minha avó foi uma mulher inesquecível. E hoje não é
nenhuma data especial. É apenas o dia em que eu daria a minha vida pra ver o
seu sorriso outra vez.
Dani Fechine