13 julho 2013

Seco (a), por favor

A forma como você bateu a porta denunciou todo o seu silêncio durante a longa noite de 30 minutos. Deve ter sido o vinho suave que eu te ofereci e que na verdade era seco que você queria. Você sabe que não foi o vinho. Mas eu prefiro achar que foi. E se eu te disser que. Que o que? Que não foi o vinho. Diga. Foi o vinho e uma livraria inteira que havia naquela taça; foi essa sua nudez facial, esse seu olhar indiferente achando que um vinho sempre resolve tudo. O vinho seco até que ajudaria um pouco. Eu bati a porta querendo escancarar o mundo; querendo que no próximo passo a vida fosse mais doce (e banhada a vinho seco) e fosse mais colorida e mais a meu favor e ao mesmo tempo mais escura mais a minha cara mais silenciosa mais indecisa e sem pontuação. Eu bati a porta da sua casa porque era preciso. Era a mínima reação plausível após uma noite regada a vinho suave. Mas você disse que não foi o vinho. Não foi só; foi esse seu modo burguês de falar, essa puxada na calça quando você se senta acompanhada de uma expressão como se não aguentasse mais o meu silêncio ou qualquer outra coisa que eu estivesse fazendo em excesso; você revira os olhos numa feição de impaciência que, sinceramente, só cabe em mim. Mas aí então você sorri, diz que entende tudo e pede desculpa por algo que nem mesmo você, com essa cara lavada, sabe o motivo. Não foi só o vinho. Foi essa mania de achar que um pedido de desculpa cachorro-dando-a-patinha-pra-brincar sempre é solução.

Lembra-se daquele dia nublado que você bateu a porta? (É, ele também já bateu a porta). E bastou o primeiro passo para a tempestade cair? Lembro; e eu dei meia volta; eu te abracei; eu te falei que foi um sinal; e eu te pedi desculpas. E o que eu fiz? Você me deu o guarda-chuva preto meio enferrujado. E você foi como se não houvesse mais nada que te impedisse de ficar. Você sempre só precisou disso. De um guarda-chuva. Ou um “guarda-tudo”. Alguma coisa prática e manual. E eu nunca fui prática e manual. Eu sempre precisei de mim, de pessoas humanas e nada automáticas e de um vinho seco para os momentos que você batesse a porta.

Quando fui eu que bati e dei o primeiro passo, olha que surpresa, caiu uma tempestade. Eu não dei meia volta muito menos te abracei. Mas foi um sinal. Talvez fosse São Pedro me avisando que a história nunca deve se repetir. Eu entendi que ele queria que eu tomasse um bom banho de chuva pra tirar toda essa automatização que você causa nas pessoas. Toda essa coisa que não é humana. Era São Pedro chorando de felicidade porque eu preferi a mim do que a você.

E olha que na verdade eu bati a porta no desejo de você abri-la, me puxar pelo braço e dizer que tem um vinho seco naquela adega pequena da cozinha. Aí eu volto. Você me pede desculpas, eu aceito e a gente enche as taças.                                                                                                               
Dani Fechine   

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