A forma como
você bateu a porta denunciou todo o seu silêncio durante a longa noite de 30
minutos. Deve ter sido o vinho suave que eu te ofereci e que na verdade era
seco que você queria. Você sabe que não foi o vinho. Mas eu prefiro achar que
foi. E se eu te disser que. Que o que? Que não foi o vinho. Diga. Foi o vinho e
uma livraria inteira que havia naquela taça; foi essa sua nudez facial, esse
seu olhar indiferente achando que um vinho sempre resolve tudo. O vinho seco
até que ajudaria um pouco. Eu bati a porta querendo escancarar o mundo; querendo
que no próximo passo a vida fosse mais doce (e banhada a vinho seco) e fosse
mais colorida e mais a meu favor e ao mesmo tempo mais escura mais a minha cara
mais silenciosa mais indecisa e sem pontuação. Eu bati a porta da sua casa
porque era preciso. Era a mínima reação plausível após uma noite regada a vinho
suave. Mas você disse que não foi o vinho. Não foi só; foi esse seu modo
burguês de falar, essa puxada na calça quando você se senta acompanhada de uma
expressão como se não aguentasse mais o meu silêncio ou qualquer outra coisa
que eu estivesse fazendo em excesso; você revira os olhos numa feição de
impaciência que, sinceramente, só cabe em mim. Mas aí então você sorri, diz que
entende tudo e pede desculpa por algo que nem mesmo você, com essa cara lavada,
sabe o motivo. Não foi só o vinho. Foi essa mania de achar que um pedido de
desculpa cachorro-dando-a-patinha-pra-brincar sempre é solução.
Lembra-se
daquele dia nublado que você bateu a porta? (É, ele também já bateu a porta). E
bastou o primeiro passo para a tempestade cair? Lembro; e eu dei meia volta; eu
te abracei; eu te falei que foi um sinal; e eu te pedi desculpas. E o que eu
fiz? Você me deu o guarda-chuva preto meio enferrujado. E você foi como se não
houvesse mais nada que te impedisse de ficar. Você sempre só precisou disso. De um
guarda-chuva. Ou um “guarda-tudo”. Alguma coisa prática e manual. E eu nunca
fui prática e manual. Eu sempre precisei de mim, de pessoas humanas e nada
automáticas e de um vinho seco para os momentos que você batesse a porta.
Quando fui eu
que bati e dei o primeiro passo, olha que surpresa, caiu uma tempestade. Eu não
dei meia volta muito menos te abracei. Mas foi um sinal. Talvez fosse São Pedro
me avisando que a história nunca deve se repetir. Eu entendi que ele queria que
eu tomasse um bom banho de chuva pra tirar toda essa automatização que você
causa nas pessoas. Toda essa coisa que não é humana. Era São Pedro chorando de
felicidade porque eu preferi a mim do que a você.
E olha que na
verdade eu bati a porta no desejo de você abri-la, me puxar pelo braço e dizer
que tem um vinho seco naquela adega pequena da cozinha. Aí eu volto. Você me
pede desculpas, eu aceito e a gente enche as taças.
Dani Fechine
Nenhum comentário:
Postar um comentário
"Aproveita que a melhor parte é de graça e feita com mais amor do que cabe em mim." (Tati Bernardi)