30 julho 2013

Sobre o que você causou

No dia em que você se despediu da minha vida eu corri pro aeroporto. Fiz as malas, pus casaco e regatas, botas e chinelos. Comprei a passagem para o próximo voo e nem quis saber qual era. Enfiei o bilhete no bolso de trás da calça e fui em busca de alguém diferente do que eu era há minutos atrás. Ou na verdade em busca de mim mesmo. A poltrona que a moça simpática do check-in me colocou dava pra observar tudo que eu deixava pra trás. Abri o suporte de apoio e me coloquei a escrever.

Comecei falando sobre o quanto a gente se entrega fácil. A tudo. O quanto a gente absorve a tristeza e a solidão e esquece que ali embaixo, com todas aquelas luzes, há algo ou alguém muito bom pra nos fazer feliz. De novo. Escrevi sobre o quanto a gente se apega às coisas e às pessoas, e que isso nunca vai ter um lado bom. O ciclo da vida é muto simples e a gente aprende desde criança o sentido biológico: nasce, cresce, (talvez) reproduz e morre. Mas você mudou a ordem do sistema e nesse caso altera ridiculamente o produto e o produtor. Não se morre antes de reproduzir, quero dizer, antes de deixar pedacinhos nosso nesse mundo. É um pecado mortal não deixar um "clone" pra alguém que a gente ama. E você não deveria ter partido assim, deixando apenas suas camisas, calças, sapatos, livros e um cordão que eu gostava muito e que agora não sai do meu pescoço e que me faz lembrar sempre do quanto você ficava lindo com ele, me fazendo chorar muito porque ele recupera uma vida inteira em questão de segundos. O ser humano adora um martírio. Nós somos masoquistas conscientes e parece gostamos disso.
Contei pro papel como foi que a gente se conheceu e como o destino é esperto. Mais do que qualquer pessoa que se acha muito inteligente. Ele te colocou no meu caminho e me colocou no seu, pra que você cuidasse de mim e principalmente pra que eu cuidasse de você. Olha agora a minha culpa, Dex. Eu só posso ter cuidado muito mal de você pra ser deixava assim, no meio de uma noite fria de uma terça-feira. Só pode ser brincadeira você me deixar no mesmo dia da semana que você chegou.

Não podia deixar de jogar naquelas linhas algumas das lições que sua passagem deixou nesse mundo. Por exemplo, que a gente deve fugir de toda negatividade. Que a quantidade de pessoas que querem nossa derrota muitas vezes supera a bondade humana, e que mesmo assim a gente deve fechar os olhos e estender a mão a quem nos quer bem e em hipótese alguma apontar o dedo aos invejosos. Você sempre me ensinou a não devolver um "tapa na cara" ou uma palavra mal encaixada. Com tanta coisa pra você mudar nesse caos aqui debaixo, porque você foi embora justo agora? Eu sei. Eu sinto o egoísmo pulsar nas minhas veias. Sinto aquela vontade tardia de brigar com o mundo ou com quem sabe-se lá levou você de mim. Não é egoísmo, eu prometo. É apenas uma singela saudade de me despedir de você hoje a noite, de devolver o abraço afetuoso e apertado, tão singular e tão preciso. É uma forte lembrança que bate no peito como se a qualquer momento eu fosse vomitar toda a minha vida ao seu lado e todas as nossas despedidas e chegadas. É apenas um chocalho que tem dentro de mim e que insiste em me incomodar, fazendo-me recordar a cada milésimo de segundo do nosso último sorriso, do nosso último beijo, do nosso último abraço. Das suas mãos em meu cabelo, do seu beijo na testa e dessa sua coragem indiscutível de morrer.

No dia que você foi embora, eu pensei em correr pro aeroporto e fugir da sua ausência presente que ficou na cidade, no bairro, no apartamento apertado, na sala colada na cozinha e no último quarto do corredor. Em vez disso eu dei meia volta e escrevi um livro inteiro sobre você, sobre nós e sobre o quanto é importante superar a partida de alguém. Não importa como for. Vai "comigo", Dex.

Dani Fechine (baseado na IDEIA da música Oitavo Andar - Uma Canção Sobre Amor de Clarice Falcão)

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