06 janeiro 2012

A primeira crônica

Tentava me concentrar para escrever minha primeira crônica. O barulho do som do vizinho me impedia de pensar qualquer coisa que me fizesse ter alguma inspiração. A falta de assunto já me corroia há muito tempo. Pensei ainda em escrever sobre a fila enorme que enfrentei no banco na semana passada. E sobre as milhões de coisas que costumam ocorrer na nossa volta, nessas horas. Mas achei clichê demais falar sobre filas e pensei em escrever sobre o casal que vi namorando no banco da praça. Eles pareciam apaixonados demais e por esse mesmo motivo eu deduzi que não fazia muito tempo que estavam juntos. Mas era meloso demais para uma primeira crônica. Pensei até em escrever sobre como foi ver meu resultado do vestibular. Mas como não havia vivido ainda, seria muito pouco analisado. Não sairia nada bom.
E sentada na poltrona que sempre me traz boas inspirações, enfim penso em algo que me traria um bom texto. Certo dia andava na praia como quem não queria nada, apenas sentir o sol e o vento. Mais nada. Andava pra tentar chegar a algum lugar que não fosse a minha casa ou qualquer outro lugar muito conhecido. E de longe, de muito longe, avisto com muita clareza uma família. Daquelas de filme mesmo sabe? Mãe, pai, um filho e uma filha. Estavam todos muito felizes, as crianças brincavam de castelinho de areia e os pais tomavam um coco sentados naquelas cadeiras de plástico.
Havia algo de errado naquela família. Crianças obedientes e lindas, que brincavam bem perto dos pais, não iam pra longe, não saiam correndo pela praia dando trabalho; pais amorosos, pacientes e que se amavam. Fui me aproximando para decerto saber realmente como eram. E continuei a analisá-los com um olhar ainda muito convidativo. Parecia-me um filme. Uma cena de novela. Qualquer coisa que não fosse real. Sorriam a toa como se nada pudesse os abalar. Parecia uma família rica. E era. Rica de espírito. Consegui um lugar bem ao lado deles. E sentei olhando pro mar, pra ninguém notar a minha inquietação com a “família feliz“. A cena continuava a mesma. De vez em quando conversavam, sorriam uns para os outros, e continuavam felizes para sempre. Senti um pouco de inveja daquela família. Queria saber exatamente como era conviver num âmbito desses. Tentei puxar assunto com os pais e falei: “Praia calma, essa não é? Vejo que vocês gostam muito.” Não pude olhar em seus olhos, estavam de óculos escuro, o que me incomodava um pouco. Eles me responderam com muita gentileza em suas falas, concordando com cada palavra que eu havia dito. E com muita educação que eles tinham, a conversa foi fluindo de uma forma inimaginável. De repente, parecíamos velhos amigos. Conversamos sobre tudo, da ponta do dedo do pé até o último fio de cabelo. Falávamos sobre um amigo em comum que descobrimos ter, quando ouço uma das crianças vir a falar: “Mamãe, papai, olha o castelo que fiz...” E com muita leveza e calma a mãe e o pai se levantaram de onde estavam, sentaram ao lado do castelo e começaram a tocá-lo muito devagar. Das conchas até o último grão de areia do tapete. E o pai falou com um sorriso inteiro em seu rosto: “Lindo castelo minha filha, parabéns. Merece um picolé de morango, o seu preferido.” E voltaram para os seus lugares, tateando o guarda sol e a cadeira.
Fiquei em silêncio por alguns minutos, tentando entender o que havia acontecido. Eram mais felizes do que qualquer outra pessoa que eu já havia conhecido. E eles tinham um diferencial. Todos se levantam, arrumam tudo e dão entender que estão indo embora. Vejo a mãe colocando o filho no braço. Ele ameaça chorar, mas recebe um abraço bem aperto e aconchegante. E abre um sorriso.
E era assim que eu gostaria que fosse minha primeira crônica: sincera como esse abraço.


Dani Fechine

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