21 outubro 2013

Tão exato como 1+1 = 1

"Olha, moço, eu estou aqui na tua casa mas resolvi ainda não tocar a campainha. O tempo ta fechado, o vento ta frio e eu esqueci o casaco, porque a pressa em te ver já estava grande demais. Eu não sei como cheguei até aqui. Fui andando. E como num livro que eu li posso te dizer que "tenho dirigido em direção a você o tempo todo, querendo apenas um coisa: nosso reencontro". Só que estou a pé. Calço o tênis branco meio sujo, meio gasto que você gosta. Até o momento já ergui a mão duas vezes em uma simples tentativa de bater na tua porta. Já abri a boca umas cinco pra gritar seu some ou até um 'sou eu', mas nenhuma palavra foi dita. Não consigo. Já passaram duas senhoras apressadas pra não pegar a chuva, agarradas em seus cachecóis. O vizinho da frente já acendeu a luz da varanda umas duas vezes, no mínimo, e ficou me olhando pela janela como se eu fosse uma estranha esperando o momento certo para invadir a casa de um homem que é ridiculamente apaixonante e permanece estupidamente sóbrio para entender qualquer coisa que envolva 'amor' e 'nós dois'.

Eu não sei se você está aí dentro. Ouço, lá no fundo, aquela sua música favorita tocar, mas como ela é trilha sonora da sua casa, da sua vida, fico na dúvida se sua presença está ausente ou não. Parece-me ridículo te visitar sem data e hora marcada, numa terça-feira a noite prestes a cair uma tempestade. Pergunte-me como voltarei pra casa e não saberei responder porque isso é o que menos me importa agora. Dizer que eu te amo ainda é o maior desafio do dia de hoje. Desisti realmente de olhar no seu olho. Esse seu olhar de não-quero-entender-nada-disso-porque-é-mais-fácil me faz querer sentar no primeiro degrau da sua varanda e escrever-te o que minha boca deveria falar-te.

Então, Dex. Como vai? Eu poderia começar com 'eu' e terminar com 'amo', mas não quero ir direto ao assunto, então não vou começar por aí. Eu imagino a sua cara de não-quero-ler-isso ao pegar o envelope que passei por debaixo da porta. Vejo seu desinteresse de longe. Daqui de fora. Mas por favor, se já chegou até aqui, continue. Se não rasgou, já é um bom começo.

Você pode ser bem melhor do que já é. Esse seu jeito desconectado de mim não faz bem. Pra mim e pra você. Eu poderia no momento estar em casa ou em alguma festa indie, com alguns amigos ou simplesmente com algum amigo. Mas vim bater na sua porta. E você deve estar se perguntando porque. Eu vim aqui esperando não te ver sorrir. Com esse puxar de olhos e esses dentes brancos que brilham em sua boca, as coisas ficariam bem mais difíceis. Você não me chama nenhum pouco a atenção, Dex. Mas sua voz já me deixa impossibilitada de qualquer reação normal. Não é justo você causar espasmos nas pessoas sem ao menos ter a intenção de amá-las por no mínimo um mês. Afinal, não é justo amá-las por um mês.

Eu faço uma promessa todas as noites e a quebro pela manhã. "Não o procure". E acordo esperando um bip seu no celular. Você me faz quebrar promessas. Caia na real, Dex. Você também tem quebrado a sua maior promessa: ser feliz. E eu não posso reatá-la. Não até você querer. Dia desses, nessas terças-feiras ociosas, você passou por mim numa pressa quase impossível de te ver. Você parecia correr em busca de algo muito bom, embora seu rosto não fosse o mais feliz que eu já avistei. Mas você passou por mim e nem notou meu cheiro, não reparou no vermelho dos meus cabelos nem no tênis branco que eu achei que gostasse. Você não estava com pressa de mim. Nem de felicidade. Porque você dobrou a esquina e me deixou sentada na cafeteria ao lado. Assim como eu, você dirige em busca de alguma coisa que nem você mesmo sabe o que. Estaciona, vai. Estaciona e desce desse carro. Toma um ar, aspira coisas boas. Vai a pé também. Quem sabe a gente não se encontra no meio da estrada. Numa curva qualquer. Num cruzamento. Quem sabe.

Se meu coração palpita. Se minha barriga dá sinal de existência. Se minhas pernas tremem. Se as lágrimas escorrem. Se o sorriso é instantâneo. E se? Eu ainda nem sei a junção dessas loucuras. Essas exatidões não batem. Elas correm, se escondem. Mas não fecham como uma conta de mais. Estou tentando explicar algo que por mais clichê que pareça, não há explicação. Descrição. Adjetivação. Não há sinônimos, pronomes, substantivos nem vírgulas. O que quero te dizer, Dex, é tão exato quanto a sua pressa em passar por mim, quanto a minha lentidão em ficar. Sabe o que mais, Dex?"

E então, num súbito olhar para trás, observo lentamente você abrir a porta, fechá-la com delicadeza, sentar-se ao meu lado e me oferecer não só um casaco mas também uma xícara de chocolate quente, acrescentando com um sorriso completamente insinuoso e querendo concordar com cada linha que eu havia escrito (mesmo sem nada ter lido):
- Não sei quanto tempo passará aqui, sentada, então resolvi te trazer algumas coisas que te façam demorar mais um pouco. - Eu poderia sequer piscar os olhos. Mas em um só lance, fechei meu bloco de anotações, e soltei em uma frase tudo que tentei escrever até agora:
- Esta noite eu estou querendo dizer que eu te amo. O que você acha?
- Que lá dentro está bem mais quente. E que eu esperei até este momento pra dizer: "Eu também amo você."

Dani Fechine

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