31 outubro 2013

Você e(m) um bar

Você entrou naquele bar querendo correr de volta pra rua. Seu olhar meio indeciso em se esconder ou me procurar denunciava toda sua insatisfação em ter que me acompanhar em alguns drinks. Eu te esperei a noite inteira, e não perderia o momento exato de te ver pisar no assoalho já meio riscado do mesmo bar que a gente se conheceu. Você quis pegar o táxi de volta pra qualquer lugar do mundo quando nossa música tocou. Enquanto pra mim o melhor lugar do mundo estava entrando por aquela porta. Eu te procurei em alguns copos vazios e não te encontrei pra te tirar pra dançar. Você não estava ali. Estava em algum ambiente que não tivesse mesas e cadeiras acompanhadas de um balde de cerveja gelada e uma mulher te esperando pra ser feliz.

Você chegou, eu te chamei. Não deu tempo você pensar em dar meia volta e se arrepender no instante em que os sinos da porta tocaram. Fui até você. Convidei-te pra sentar. “Eu não posso demorar”. Foram as palavras mentirosas de alguém que quer, nesse exato momento, receber alguma ligação de emergência. “Você nunca demora.” Foi a minha resposta para as palavras saltitantes e gritantes de um homem que não consegue amar alguém que o ame também. Enquanto você me olhava com olhos de indiferença, eu quis te odiar para o resto da vida, da mesma forma que te odiei quando você bateu a porta da minha casa dizendo que nunca mais queria me ver. E voltou correndo enquanto eu te esperava sentada na mesa da cozinha, pronta para tomar de uma só vez a garrafa de vinho seco. Eu quis te odiar durante cada segundo do meu dia, quando você pediu, com cara de não-quero-estar-aqui, pra eu apressar a minha fala. Talvez seus tímpanos estourariam, sufocados por palavras sinceras. Você nunca as deve ter ouvido.

Não te falo nada. Nego qualquer esboço de tristeza. Sorrio e aproveito a sensação incontestável e indescritivelmente prazerosa de te ter ao meu lado. Eu passaria a vida inteira ao seu lado, ouvindo seu silêncio. Não ameaço sequer perguntar se está bem. Ofereço um gole, apenas erguendo um pouco a mão. Você vira a cabeça algumas vezes esperando encontrar algum conhecido que te livre desse martírio de me ter ao lado. Passam-se minutos, drinks de todas as cores, mais uma garrafa de água com gás, umas poucas palavras corriqueiras e uns três sorrisos falsos.

E então você se levanta e repete: “Não posso demorar.” Dá um último gole na sua água com gás, beija-me a cabeça e a mão, de modo que você demora um pouco pra soltá-la. Até que a distância já não te permite segurá-la. Tchau (com uma entonação de alívio). Tchau (com a voz quase desfalecendo). Antes de chegar à porta você para, me olha com olhos-de-adeus e fala baixinho, esperando que eu faça uma leitura labial, mesmo sabendo que nunca fui boa nisso: s-e c-u-i-d-a. E eu quis gritar: “Me cuida, meu bem. Leva-me contigo, seja pra tua casa, seja pra um outro bar. Convida-me pra dançar. Pra sentar ao teu lado. Pra dormir na tua casa. No teu sofá. Na tua cama. Liga-me no meio do dia, diz que está com saudades e que precisa me ver. Corre até o meu trabalho, me pede pra largar tudo, porque está com desejo do meu abraço, do meu perfume. Esquece essa de que amar é muito responsável, e entra comigo nessa irresponsabilidade mesmo. A gente se desorganiza devagar e vai dando certo. Volta e senta aqui nessa cadeira. Pede mais uma água. Ou um drink cubano. Mas não me vira as costas. Não bate a porta. Não pede o táxi. Pede a minha companhia. Levo-te pra casa. De ônibus espacial, de avião, carroça, balão, voando, nadando, como quiser. Levo-te embora pra qualquer lugar que esteja perto do meu coração. Mas não pede pra eu me cuidar. Não me liga um mês depois pra saber como eu estou. Não aparece de surpresa no meu portão dizendo que passou na rua e lembrou de mim. Não vai, meu bem. Se você der o próximo passo, eu dou o primeiro gole. E a gente se entende pro resto da vida. Você no Alasca, eu na Austrália. Você dormindo, eu acordando. E a gente vai se entendendo meio distante, porque entendimento nunca deu certo pro nosso amor. Me cuida, amor, me cuida e se desentende comigo. Assim a gente vai bem.

Mas não gritei. Acenei com um sorriso amarelo, uma lágrima de pedra esperando pra cair, e mais um drink fajuto na mão direita. A porta bateu. Os sinos tocaram novamente. E a garçonete perguntou: “Então, é só você?” E eu respondi: “Sempre”.

Dani Fechine



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